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O VAR
O árbitro ou é idóneo para apitar todos os jogos ou não é idóneo para nenhum.
09 Jul 2020, 10:00

Foi com algum humor que li as razões pelas quais o Hugo Viana foi sancionado com 30 dias de suspensão, pelas palavras proferidas ao alegado árbitro do encontro.

Não é que, de facto, aquilo não configure um insulto, pelos termos vernaculares empregues. Mas Hugo Viana esteve pertíssimo de dizer o que lhe ia na alma, expondo a ridícula apreciação do árbitro, sem que este lhe pudesse assacar qualquer conduta censurável. Bastaria um pouco mais de calma para que o vocabulário empregue fosse, até, mais acutilante, sem ser, contudo, injurioso.

Sobre o senhor árbitro, resta dizer que deveria ser preocupante para os responsáveis da arbitragem que alguns dos seus elementos tenham estes pequenos problemas de “apreciação”.

Há uma coisa que não se vende em lado nenhum, que é o brio profissional e a dignidade pessoal. Uma coisa é o erro decorrente da natural dificuldade em apreciar os lances em tempo real. Às vezes, o erro pode ser tão grosseiro e, ainda assim, ser desculpável por alguma circunstância que possa ter impedido o árbitro de o ver e analisar, tal como aconteceu (um lapso de concentração, um piscar de olhos, uma circunstância que capte a sua atenção, etc.). Isto não quer dizer que o árbitro seja mal-intencionado ou naturalmente desonesto.

Mas, hoje em dia, temos o VAR. Temos, para além do meio tecnológico, um colega de profissão que pode ajudar o árbitro de campo. Tanto assim é, que eles trocam impressões entre si quando o árbitro de campo se desloca ao dispositivo televisivo.

Fica difícil fazer o papel de pessoa compreensiva e defensora da honradez de um árbitro, perante coisas tão evidentes como as que se vão passando nos campos em Portugal (não foi só em Moreira de Cónegos que houve um momento Monty Python, já que eles se têm multiplicado por Portugal inteiro).

É certo que o VAR expõe os árbitros. Mas isto é apenas a visão de quem não quer melhorar e ser melhor árbitro, por via de preferir fazer parecer que é um bom profissional, por esconder o erro.

Na verdade, o VAR é uma ferramenta que deve ajudar o árbitro a reduzir a impressão do erro no decorrer de um jogo. O VAR ajuda o árbitro a melhorar as suas decisões, se este o quiser.

O problema coloca-se quando o árbitro quer ser “estrela” e, portanto, tal condição não lhe permite errar. E, como não erra, o VAR é uma complicação porque lhe vai dizer, em várias ocasiões, que ele errou. Então, como se combate o árbitro vedeta esse efeito? Pois bem, ignora as evidências do VAR. E, assim, ele não errou e não foi corrigido por isso. Ou seja, sai de campo com a cabeça erguida (em alguns casos cheia de brilhantina), pelo menos até que os dirigentes comecem a proferir declarações sobre o encontro. Aí começa o rol de descrições sobre os erros dos árbitros. Estes, impávidos e serenos, aproveitam para registar todos os comportamentos atentatórios da sua honra e imagem profissional, para elaborar relatórios que levam à aplicação de sanções.

Ou seja, os realmente ofendidos são os primeiros a ser sancionados. O árbitro, esse será defendido pelos seus pares, nos diversos canais de televisão, sempre com recurso aos mesmos fundamentos (“o árbitro não erra de propósito; o árbitro é um ser humano; o árbitro tem família, etc.”). Ao invés de se separar o trigo do joio, fazendo evidenciar que há árbitros que não têm condições de, perante as evidências mostradas por uma TV, apitar jogos de futebol, estes árbitros são defendidos publicamente e são, até, apontados como promessas da nossa arbitragem.

Mas, pior do que tudo, o árbitro vai sofrer a enormíssima sanção de ficar um par de jogos de fora por conta de decisões absolutamente incompreensíveis.

Eu não sou um dos defensores da jarra, nem de certos clubes escolherem que árbitros não querem nos seus jogos. Um árbitro tem qualidade ou não tem. Um árbitro que esteja inibido de apitar um qualquer clube, não tem condições de imparcialidade para apitar nenhum dos outros clubes.

O árbitro ou é idóneo para apitar todos os jogos ou não é idóneo para nenhum.

Criou-se aqui um regime híbrido que permite que certos clubes se arroguem do direito de vetar árbitros, o que em si é pernicioso para um sistema que se quer sério, pois tal, em si mesmo, é a aceitação do mecanismo de pressão sobre as equipas de arbitragem. É uma forma de legalizar aquilo que, depois, se diz ser intolerável.

Um árbitro honesto e com qualidades para a arbitragem não é imune ao erro. Só que me parece que um árbitro nessas condições não terá um padrão de atuação que se traduza na manifestação do erro em prol do(s) mesmo(s). O seu erro será aleatório, mas não assíduo. Errará menos que todos os outros e será corrigido pelo VAR, sem que isso lhe pese no ego.

Também é verdade que, em Portugal, há uma ideia dominante sobre o benefício dos “grandes”, como uma normalidade. É até confortável para os árbitros que tal seja assim aceite, já que lhes permite usar a bolsa do erro em proveito dos mesmos e passar incólume às críticas, já que os “grandes” representam a esmagadora maioria da população futebolística em Portugal. Porém, eu gostava de ver um árbitro, um ex-árbitro ou um responsável pela arbitragem vir a público dizer que isto é mentira. Que os “grandes” não são, nem podem ser, mais beneficiados que os outros porque um árbitro tem a obrigação de apitar todos os jogos, empregando o melhor das suas capacidades e sem qualquer preconceito para com os clubes envolvidos. Confesso que não me lembro de ninguém da área ter vindo a público contestar esta ideia. E se assim é, significa que é provável que nenhum árbitro tenha condições para desempenhar a função em condições de isenção e independência.

Todos no recordamos das palavras de Jorge Coroado, quando confrontado pelas imagens televisivas que nos mostravam os seus erros, num jogo em Chaves, há já muitos anos. Eu não era particular apreciador do Jorge Coroado, mas é notório que a sua declaração de que tais imagens lhe provocavam azia, mais não era do que o reconhecimento público de que errara e que isso o incomodava. Creio que, se tivesse tido oportunidade, naquele tempo, de recorrer ao VAR, teria tomado melhores decisões. Ora, hoje, tenho dúvidas em dizer que todos os árbitros tomam melhores decisões por intervenção do VAR. O jogo de Moreira de Cónegos é apenas mais um exemplo de que há quem não consiga ver na TV algo que lhe permita tomar a melhor decisão. Pode ser que seja um problema de definição do próprio aparelho ou um problema ocular do árbitro em questão, ou qualquer outra coisa.

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