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O NOSSO MELHOR ANO DE SEMPRE
Ter lucro é muito melhor do que não ter. Mas ter lucro, por si só, não é um sinal de despreocupação.
Imagem de destaque10 Set 2020, 15:00

Para receitas antes de transferências de atletas de 68M€, o Sporting anuncia um volume de negócios a rondar dos 175M€, o maior da sua história. Na diferença entre um valor e outro reside a parcela de receitas extraordinárias obtidas pela presente administração.

A extraordinária capacidade para captar receitas é uma boa notícia, que tem que ser enquadrada nos requintes que se seguem.

A SAD gasta consideravelmente mais do que ganha. O défice é estrutural e não é pequeno. Não fossem as receitas extraordinárias, que elevaram brutalmente o volume de negócios, e o prejuízo teria sido da mesma dimensão.

Mas podia este exercício reflectir um conjunto de encargos que correspondessem a um investimento de qualidade no plantel, o que aumentaria na devida proporção os encargos da SAD. Só que não, os custos não reflectem uma melhor qualidade do plantel. O que reflecte este exercício é todo o contrário desta ideia de investimento. O Sporting, para ter um volume de negócios de 175M€ e um lucro de 12,5M€ (portanto, inferior a 10% do total das receitas), vendeu Raphinha, Bruno Fernandes, Matheus Pereira, entre outros. Ou seja, o Sporting abdicou dos seus melhores activos desportivos, com a natural consequência de ter um défice de qualidade. Mas os encargos declarados ascendem a mais de 150M€ (ainda que aqui se inclua a rubrica das imparidades).

Por contrapartida, também a redução da massa salarial decorre do mesmo princípio: venderam-se os melhores jogadores que também auferiam os salários mais avultados, sem que a qualidade global do plantel fosse reequilibrada. Agrava a nossa situação o facto de a redução salarial, de um ano para o outro, ser marginal (de 68M€ para 60M€, com a particularidade de termos assistido a um acordo de redução fruto da pandemia, que faz estimar que a massa salarial andaria pelos 63 ou 64M€). Isto significa que a poupança foi alocada na sua quase totalidade, noutros atletas de qualidade inferior e com custos globais semelhantes.

O Sporting também “poupou” o que seria devido como prémio de objectivos desportivos cumpridos (creio que estamos a falar de 3M€ de prémios pagos pelas conquistas da Taça de Portugal e da Taça da Liga). Como se não cumpriu nenhum, o Sporting “poupou” alguns milhões de euros. Desconheço o montante previsto para o prémio de conquista da I Liga. Imagino que seja de valor superior ao que foi acordado pela conquista das Taças. O que me faz pensar que, na eventualidade de temos tido uma época plena de glória (Taça de Portugal, Taça de Liga e I Liga), este lucro de 12,5M€ seria muitíssimo mais contido.

Num cenário de contenção de custos, que levou a uma redução da massa salarial (também resultante dos cortes salariais no início da crise do COVID), o Sporting apresenta um lucro de 12,5M€ para um volume de negócios de 175M€. Como é que o Sporting duplica o seu volume de negócios, implementa uma política de contenção de custos e, no final, apresenta um resultado revelador do agravamento do défice de exploração, apenas colmatado com as receitas extraordinárias?

Para termos uma referência de comparação, em 2016/2017, exercício em que se reflectiram as vendas de João Mário e de Slimani, o Sporting apresentou um volume de negócios de cerca de 172M€ e lucro de 46,5M€, o que também revela alguns problemas na relação entre receitas ordinárias e custos. Mas para um volume de negócios semelhante, o valor do lucro agora apresentado foi equivalente a menos de um terço.

Este é um exercício já visto do outro lado da Segunda Circular, tirando-se proveito dos alçapões das regras de contabilidade para incrementar o valor dos activos, sem que isso implique, necessariamente, aumento de valor desportivo. E isto leva a outra questão: deve o factor negócio ter primazia sobre a génese de uma organização desportiva? Não me interpretem mal, não quero dizer que uma organização não tenha que zelar pela sua bolsa. Um clube financeiramente saudável terá melhores condições de sucesso. Porém, até que ponto é aceitável que uma instituição seja gerida de forma comercial, gerando receitas consideráveis para, no fim de todo o processo, ter um resultado bastante ínfimo em relação ao seu potencial para gerar receitas? No nosso caso, sem que este processo sirva para investir no aumento de competitividade da equipa de futebol. De um ano para o outro, o Sporting viu agravar-se o seu resultado operacional sem transferências de jogadores (de 29M€ para 38M€). Isto é preocupante. Até que ponto é razoável prescindir-se de Bas Dost, Bruno Fernandes ou Raphinha para, no fim de tudo, tal não ajudar a resolver um problema operacional evidente?

Quando o Sporting teve o maior influxo de dinheiro da sua história e, ainda assim, a actual administração insiste em dizer que não tem dinheiro disponível, há que abrir a discussão sobre o modelo de gestão implementado ou sobre a capacidade da actual administração da SAD para cumprir bem o seu papel. Lembro que um dos pilares do programa deste CD eleito foi a compra das VMOC’s. Passaram-se 2 anos de mandato, sem que tenhamos esse pilar cumprido ou na perspectiva de o ser, em face dos constrangimentos financeiros em que a SAD vive, de acordo com as palavras e com as acções dos seus administradores.

Ter lucro é muito melhor do que não ter. Mas ter lucro, por si só, não é um sinal de despreocupação, especialmente, quando já restam poucos activos com valor de mercado elevado, sem que se resolva capazmente o problema de exploração que continua a existir de forma muito evidente.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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