O ‘SISTEMA’ MORREU. VIVA O ‘POLVO’!
Os esquemas para beneficiar uma equipa, que no passado se centravam nos órgãos de arbitragem e disciplina, hoje estendem-se ao Governo
Redação Leonino
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16 de Novembro 2020, 17:47

Quando nos primeiros anos deste século o presidente do Sporting, António Dias da Cunha,  denunciou a existência de um conjunto de forças que ajudavam a ‘inclinar’ os campos de futebol onde jogavam as equipas da principal Liga, perguntaram-lhe por nomes, por órgãos da Liga ou FPF, perguntaram-lhe, enfim, que forças eram essas que impediam o Sporting de jogar com as mesmas armas. Dias da Cunha resumiu o esquema numa palavra: sistema. Ele sabia bem os nomes e conhecia-lhes os rostos. Contou com a ajuda de pessoas que nada tinham que ver com o Clube para entender a teia e as ‘aranhas’ que nela se deslocavam com o propósito único de se alimentar de uns para dar de comer a outros. Mas não os podia nomear. Uma coisa era saber o que tais pessoas faziam, outra bem diferente era prová-lo.

Para não variar, o líder do Sporting (como cerca de 10 anos viria a verificar-se com outro, Bruno de Carvalho) foi apelidado de incendiário, de alguém que apenas queria justificar insucessos desportivos recorrendo ao atirar de lama para cima de tudo e todos.

Não se passaram muitos anos entre a denúncia da existência de um ‘sistema’ e o processo conhecido como ‘Apito Dourado’, no qual ficou claro que Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, com o alto patrocínio de Valentim Loureiro, lutavam por uma posição de privilégio sobre o mundo da arbitragem, disciplina e justiça do futebol. Para não variar, neste país ‘faz-de-conta-que-existe-democracia-liberdade-e-justiça’ onde não faltam juízes a facilitar a vida dos escroques, todas as condenações acabaram revertidas anos mais tarde e, para efeitos de cadastro, nenhum crime foi cometido por dirigentes do FC Porto ou Boavista, tão-pouco Luís Filipe Vieira respondeu pela escolha de árbitros, bem plasmada num áudio muito célebre na altura.

De forma ingénua, o ‘país’ pensou que pelo menos o ‘Apito Dourado’ teria o efeito de colocar um ponto final neste tipo de esquemas, que dali em diante os dirigentes de futebol não mais tentariam construir redes de influência porque estavam sob a mira do Ministério Público. E no entanto, querem que comece por onde? Pelos vouchers? Pelo ‘mala ciao’?

Olhando hoje para os dias do ‘Apito Dourado’ verificamos que esse foi um esquema de meninos quando comparado com o ocorrido nos últimos 5 anos. Porque nesses dias do início do século havia um ‘sistema’ e na atualidade existe, um ‘polvo’. Pelo que nos tem sido dado a conhecer, já não é apenas o universo futebolístico da arbitragem, disciplina e justiça que está sob controlo, agora até membros do Governo surgem associados a este ‘polvo’.

Passou quase despercebida ao grande público uma entrevista de Rogério Jóia ao jornal ‘Record’ em 2019. Quem é o personagem? Foi, entre 2014 e 2019, Presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal. E o que denunciou ele? Precisamente o mesmo que Augusto Baganha, ex-Presidente do IPDJ, na passada semana: que para certos governantes, “o Benfica está acima da lei” e que, como tal, não deve ser incomodado com determinados processos, mesmo que não respeite a lei que, claro está, não se aplica a um clube que “tem mais adeptos que a população de alguns países”, no dizer do ministro Tiago Brandão Rodrigues.

Atente-se no que diz Rogério Jóia sobre esta conversa que Augusto Baganha garante ter tido com o ministro Tiago Brandão Rodrigues e com o secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo: “Se o senhor primeiro-ministro quiser saber, que me chame, que eu digo-lhe olhos nos olhos. Digo-lhe com provas! Um governante não pode pensar nem dizer que uma instituição está acima da lei. (…) Isto para além de ser matéria de análise criminal, cheira-me mal. É repugnante e nojento. (…) Segundo me disseram, estavam várias testemunhas a ouvir, quer da Secretaria de Estado, quer da Administração Pública. Quanto às últimas, uma delas nunca se pronunciou sobre estes factos. A outra replicou para várias pessoas as conversas tidas pelo ministro e secretário de Estado e disse também que tinha medo de assumir estas conversas, porque tinha medo que, se o fizesse, pudesse perder o lugar de chefia de Divisão. Veja bem a gravidade disto. Ter medo de perder o lugar. (…) É tudo muito, muito grave. É que, infelizmente, o futebol e o COP mandam no país. (…) Quando isto for público, o ministro e o secretário de Estado terão de ser demitidos na hora. (…) Denunciei ao Ministério Público o caso de Caminha, quando ministro e secretário de Estado, alegadamente, disseram que há instituições que estão acima da lei. O resultado de tudo isto foi que não fui reconduzido. Isto éum sinal claro do Governo para qualquer dirigente da Administração Pública: caso esteja perante uma situação de corrupção não a deve denunciar. É um convite à cumplicidade com a corrupção. [António Costa] Não pode saber disto, porque isso era dar razão a quem diz que era o segundo ministro de engº José Sócrates. Por isso acredito que vai demitir o ministro da Educação e o secretário de Estado do Desporto. Se assim não for (…), como há dias nacionais para tudo, o primeiro-ministro podia criar um dia a favor da corrupção”.

Ora, um ano depois, foi a vez de Augusto Baganha, ex-presidente do IPDJ, dar a cara por estes acontecimentos. E, agora sim, parece que algumas pessoas acordaram para a realidade, aquela em que governantes o pressionaram para não aplicar penalizações ao Benfica por incumprimento da lei. “Houve pressões mais públicas e outras mais privadas. Pressões só para o Benfica, nunca para outros clubes”, garantiu.

O que estava em causa, neste processo, era a interdição do Estádio da Luz. Aliás, o Benfica já sofreu várias condenações de interdição do seu estádio, mas as mesmas acabaram sempre revertidas noutras instâncias. O que não é de estranhar, pois pelos vistos parte do próprio Governo o patrocínio da não aplicação da lei. Note-se que o primeiro-ministro António Costa (‘o António’, para Luís Filipe Vieira) chegou a dizer, em 2019, que a alteração à lei em causa (relacionada com Grupos Organizados de Adeptos, vulgo claques) tinha sido “feita para que clubes como o Benfica adequassem grupos de adeptos àquilo que são as claques. Os clubes têm de ser todos iguais e tem de haver uma legislação igual para todos”.

Palavras ocas, obviamente, porque depois da nova legislação tudo ficou igual e a reversão das penalizações continuaram. Como continuaram nos seus cargos os dois governantes que aceitam e publicitam o Benfica como instituição ‘acima da lei’.

O ‘sistema’ morreu. Viva o ‘polvo’!

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