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A ARROGÂNCIA DO “STATUS QUO”
Parece-me ser de alguma arrogância aceitar-se ser Presidente de um dos órgãos sociais sem o conhecimento necessário, sobre a vida do universo Sporting, para exercer a sua função.
Imagem de destaque09 Out 2020, 10:00

Na última semana e no rescaldo de dois factos negativos para Clube e SAD, como foram o chumbo das contas e do orçamento e o afastamento da Liga Europa, foram produzidas declarações pelo senhor Presidente do CFeD e também pelo director de comunicação.

No tocante às declarações do Presidente do CFeD, surpreendeu-me a confissão de que foi preciso fazer parte do elenco dos órgãos sociais para perceber que, realmente, o Sporting é um universo muito complicado. Confesso-me surpreso porque, se há coisa que não é novidade nos últimos 20 anos, é o constante tumulto em que o Clube vive. Lembremos todos o episódio do debate entre os antigos Presidentes Dias da Cunha e Filipe Soares Franco, em que este era acusado pelo primeiro de ter cometido a traição de se apresentar ao acto eleitoral, ou o momento em que o actual Presidente, ainda antes de se saber que haveria destituição e eleições, já se proclamava candidato à Presidência, sendo ele um funcionário demissionário. Também podemos acrescentar que foi o actual CFeD que expulsou Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho, não obstante as declarações de Frederico Varandas, em que comparava a expulsão de associado à morte. Portanto, também de golpes palacianos se fez a história recente do Sporting, sem sequer existir um cuidado segredo desses meandros.

Parece-me ser de alguma arrogância aceitar-se ser Presidente de um dos órgãos sociais sem o conhecimento necessário, sobre a vida do universo Sporting, para exercer a sua função, menosprezando a possibilidade de o exercício do mandato poder ser difícil. Mas, prosseguindo, refere o Presidente do CFeD “nem sei o que se pode fazer ali”, ao mesmo tempo que afirma “resta pouco tempo para me ir embora e a sensação que tenho é que o Sporting assim nunca chegará a lado nenhum, é impossível”. E arremata com “falta só um ano e meio para voltar a haver eleições, por isso não faz sentido nenhum haver eleições agora”. Exmo Senhor Presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar, com o devido respeito que a sua pessoa me merece, tenho que dizer que me parece que V. Exa. já não tem vontade de exercer o cargo, limitando-se a uma resignação que apenas o faz esperar pelo final do mandato. Ora, se um ano e meio lhe parece ser um período de tempo suficientemente curto para não se criar o aborrecimento de um acto eleitoral agora, a mim, parece-me um período de tempo demasiado longo para ter um Presidente do CFeD que tem a perspectiva que V. Exa. revelou. Acresce que, caso decida demitir-se (o que é legítimo), tenho a certeza que o PMAG o aliviará desse fardo e nomeará, por certo, uma Comissão de Fiscalização (que, espero eu, não seja mais um pelotão de fuzilamento) que lhe permitirá não ter que exercer funções, mesmo que demissionário, até nova eleição. Dessa forma, podem os associados, ingenuamente, ainda esperar alguém que entre com outra determinação para exercer a função que V. Exa. exerce, a tempo de dar um sentido mais amplo ao CFeD do que, meramente, a função disciplinar e punitiva, que muitas vezes se confundiu com reverência ao CD actual.

Também há que analisar o contexto deste mandato e da respectiva eleição. Os actuais órgãos sociais do Sporting Clube de Portugal foram eleitos com o maior número de votos mas não pelo maior número de votantes. Acresce que, no universo dessa eleição, os votos necessários para se ser vencedor correspondem a, sensivelmente, 39% do total dos votantes que exerceram o dever/direito de voto. Este facto abriu a porta à discussão sobre a necessidade de haver uma segunda volta, em circunstâncias parecidas. Para além desta discussão (que até nem tem sido levada a sério, apesar da relevância, a avaliar pela inacção de quem a defende no sentido de promover uma iniciativa de revisão estatutária), ficou claro que a larga maioria dos votantes não se revê na lista eleita.

Não querer perceber este contexto, no sentido de ajustar a gestão de Clube e SAD ao mesmo, é não contribuir para uma salutar relação entre os órgãos sociais e os associados. A verdade é que o lema da candidatura do actual Presidente, cada vez mais, tem o sentido que não se pretendia, que é o de unir os sócios contra o CD. Nem a evidência do que está a acontecer leva os titulares dos órgãos sociais a ter a iniciativa de fazer uma introspecção e avaliar os comportamentos próprios. Ao invés, preferem culpar os associados pela tensão reinante, ao arrepio do seu próprio contributo para o avolumar do clima de contestação.

Paralelamente, há a tentação de imputar a culpa desta tensão aos apoiantes de Bruno de Carvalho, dividindo o Clube em situacionistas e “brunistas”.

Ora, a realidade é bem diferente. João Benedito foi o candidato que mais votantes escolheram para ser Presidente. Carlos Vieira foi impedido de ir a votos e continua a sê-lo, mediante uma interpretação bastante duvidosa dos estatutos e que é perfeitamente conveniente a quem receia o seu aparecimento como candidato, que levam a que o Clube recuse que este associado pague as suas quotas, relativamente ao período da sua suspensão. Também José Maria Ricciardi teve uma votação significativa, nas últimas eleições. Mais recentemente, Nuno Sousa declarou que pretende ser candidato ao próximo acto eleitoral e é provável que mais candidatos se gerem, até 2022.

Ou seja, no universo Sporting, há mais gente que dá o rosto por uma alternativa do que os apoiantes de Bruno de Carvalho. O Sporting não está dividido, em partes iguais, entre os apoiantes de Frederico Varandas e todos os outros. A franja de apoiantes do actual Presidente é minoritária. Não quero com isto dizer que há falta de legitimidade eleitoral. Longe disso. As regras eram conhecidas de todos e são claras, no que diz respeito à representatividade de cada sócio. O actual CD, se tivermos em conta as regras eleitorais em vigor, foi eleito legitimamente. Mas a contestação também é legítima, quando haja motivos para tal. E só de má-fé (ou por querer-se ser juiz em causa própria) se pode dizer que não há a mais pequena razão para contestar quem governa o Clube e a SAD (o termo utilizado pelo Presidente Frederico Varandas é até mais ostensivo e ofensivo, quando quis qualificar as pessoas que o contestam), tendo em conta o historial de actuação que, em várias ocasiões, se confundiu com um momento “Monty Python” qualquer.

A contestação existe porque o Sporting entrou numa fase de desgoverno, com sucessiva desvalorização desportiva, assente numa conduta incoerente (e, por isso, incompreensível), que apregoa o caos financeiro com a mesma facilidade com que esbanja dinheiro ou que anuncia posições de força negocial para, uns meses depois, dizer o exacto oposto.

Existe tensão e contestação ao actual CD, sem qualquer margem para dúvida. Mas em que medida é que essa tensão foi responsável por se contratarem Bolasie, Jesé ou Fernando? Em que medida é que foi a contestação que levou a SAD a contratar Doumbia, Rosier e Camacho para, um ano volvido, serem dados como dispensáveis? Em que medida é que a contestação leva à venda de activos, por valores acima dos 200M€, com o historial de contratações falhadas que se conhece? É injustificada toda a contestação?  Com todo o respeito, creio que não.

E prossegue a arrogância de elementos da estrutura sportinguista, quando o director de comunicação diz e escreve que os resultados da votação do orçamento e das contas não têm expressão representativa ou quando tenta relacionar a guerra com as claques com os resultados desportivos negativos ( o que até me deixa curioso para saber como funcionou esta relação no resultado com o LASK ou com a ponta final da Liga da época transacta).

Já se percebeu que o critério da representatividade é algo que só o “status quo” pode invocar, ora num sentido, ora no outro, consoante o seu interesse. Só não se percebe este caminho da vitimização, especialmente, quando o situacionismo é minoritário. Ora, se nas urnas cada sócio “fala” com o número de votos que tem, na rua, no pavilhão e no estádio cada um fala e grita com a garganta que tem. E aí, por muito que não se goste, há um universo muito significativo que é crítico deste mandato e isso é próprio do exercício da função.

Prossegue Miguel Braga neste seu exercício com publicações irónicas sobre as exigências do SC Braga para transferir um seu atleta, que são absolutamente legítimas. Vamos lá resumir o que se passou com o Braga: o Sporting contrata-lhe o treinador, obrigando-se a pagar um valor correspondente à cláusula de rescisão, mas não paga; o Presidente do SC Braga, na noite em que termina o campeonato, enxovalha o Sporting e não há uma única reacção dos legitimamente eleitos (bem vistas as coisas, não podia haver); o Presidente do SC Braga vem a público revelar o salário de Ruben Amorim, no Sporting, sem qualquer reacção quanto à deselegância de tal acto; o Presidente do SC Braga manifesta uma comparação da situação do Vitória Futebol Clube (que foi despromovido por não cumprir os critério financeiros) com a do Sporting (por conta da dívida ao SC Braga) e nem uma palavra para defender a nossa posição; o Sporting, ainda sem pagar Rúben Amorim, tenta contratar Paulinho e ainda ironiza sobre as condições exigidas para o negócio se fazer. Mais do que arrogância, haverá alguma falta de vergonha.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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