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A CENSURA DOS TEMPOS MODERNOS
Vivem-se tempos de lei de rolha, ditadura ou censura, no que ao pensamento diz respeito, chegando ao ponto de não ser absolutamente admissível que se diga algo contra a arbitragem.
Imagem de destaque26 Dez 2020, 09:42

Nos últimos 20 anos, vimos a sociedade em geral, de um modo que só agora se torna perceptível, mudar muito do que é a forma de ser e de estar. Muitos dos comportamentos que eram aceites hoje são inconcebíveis e ainda bem.

Porém, tudo o que não é feito com conta, peso e medida, tende a cair no exagero ou no extremismo e aí torna-se perigoso e é isso que agora começamos a constatar, pois que se começa a perceber um certo nível de ditadura do politicamente correcto, ou seja, todos continuamos a ter liberdade de expressão e opinião, desde que seja aquela que é socialmente aceite…

O futebol tem sido o exemplo mais perfeito do que é levar o politicamente correcto um nível acima do que é desejável, ao abrigo da erradicação daquilo que se tem como comportamentos incorrectos.

Mas, primeiro que tudo, quem define o que são comportamentos incorrectos? Naturalmente que comentários racistas, xenófobos ou que incitem à violência, como combate a Lei da Violência no Desporto são, obviamente, condenáveis e não têm espaço no desporto.

Mas quem define que um comentário tem cariz desta natureza e que mesmo os visados não se sentindo ofendidos, terão de ser punidos porque são intoleráveis e o visado é que não sabe que está a ser alvo de um qualquer tipo de comportamento inaceitável e nem se apercebe (como aconteceu, por exemplo, com Bernardo Silva e Cavani)?

Quem definiu a linha limite (que está cada vez mais estreita) e onde a mesma se cruza? Como se encara uma brincadeira entre amigos como insultos inqualificáveis ou se detecta que a brincadeira não é assim tão inocente?

Da mesma forma, como é que algo a que todos têm direito, como seja a liberdade de expressão, de opinião e de livremente expressar a sua opinião virou um delito inominável que não pode ser tolerado?

No séc. XVIII, Voltaire imortalizou o direito à liberdade de expressão, proferindo uma frase que atravessou os tempos: “Discordo do que você diz, mas defenderei até à morte o seu direito de dizê-lo”.

Actualmente parece que ao abrigo de um darwinismo linguístico a frase em questão deveria ter uma nova redacção: “Defenderei até à morte o seu direito de dizer alguma coisa, desde que seja dentro dos limites estabelecidos como aceitáveis”.

Fala-se muito da cartilha do futebol, mas parece mais que para tudo na vida agora precisamos de cartilha e quem sai um pouco que seja desta nova box de pensamento, é crucificado em praça pública.

E se se pensa que isto acontece só com insultos ou comentários tipificados como desrespeitosos, que não se iluda ou engane. Hoje em dia os meros comentários de desagrado, de insatisfação, de verdadeiro exercício de direito de protesto no futebol são altamente penalizados, quase que como numa tentativa de calar toda e qualquer voz dissonante.

Foi o que aconteceu com o Presidente da Direcção do Sporting, com Miguel Braga e com João Mário, depois do empate em Famalicão, cuja equipa de arbitragem deixou muito a desejar.

Muitas coisas tem a Direcção do Sporting feito de forma errada, isso é indiscutível e já muito me pronunciei sobre as mesmas, porém nunca poderei concordar com o facto de que, nos dias que correm, os árbitros ou órgãos das instituições que comandam o futebol não possam ser alvo de críticas, como o comum dos mortais.

Vivem-se tempos de lei de rolha, ditadura ou censura, no que ao pensamento diz respeito, chegando ao ponto de não ser absolutamente admissível que se diga algo contra a arbitragem, mesmo que esta tenha sido flagrantemente má.

Sempre ouvi dizer que “Se não tens nada de bom a dizer, então remete-te ao silêncio”, mas sempre entendi que é onde o silêncio impera que as injustiças acontecem.

As coisas têm de ser ditas e as situações têm de ser expostas e, desde que dentro de um nível de educação, não se percebe esta intolerância à crítica que até deveria ser acolhida com um cariz construtivo, tentando perceber o que correu mal e melhorar. Dos elogios nunca veio a evolução, o progresso ou a melhoria.

Chegar a um ponto em que não se pode dizer uma crítica sobre uma arbitragem, tenha ela sido mais ou menos conseguida, é colocar os árbitros num patamar de intocáveis que, obviamente, dará azo a arbitrariedades e comportamentos déspotas, pois que ninguém nunca poderá apontar-lhes o dedo.

Outra coisa que sempre ouvi dizer é que “Quem não deve, não teme” e se os árbitros, bem como outros agentes desportivos, têm a certeza e segurança de que estão a fazer um bom trabalho, então não deverão temer ou tentar cortar o escrutínio público, pois que do diálogo, mais do que do silêncio, é que se retiram coisas positivas.

Obviamente que os agentes desportivos também não podem ter comportamentos que possam incitar à violência ou intolerância e bem se sabe que nesse campo falta um longo caminho no dirigismo desportivo português para se alcançar um nível minimamente civilizado, porém este estado de paternalismo condescendente que se vive e em que tudo tem de ser pensado trinta vezes antes de falar porque pode valer um castigo para os ouvidos mais sensíveis também não é caminho que traga resultados benéficos. Muito pelo contrário, de tanto que se estica a corda, um dia ela rebenta (que é como quem diz, tanto se reprime a liberdade de expressão, que um dia se gera uma revolta).

Repensar o modo de estar é urgente e que o politicamente correcto seja rapidamente substituído pelo bom senso, esse sim, essencial tanto na vida como no desporto, são os meus votos para 2021.

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