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A FORMAÇÃO (II)
Se, numa estrutura dedicada à formação, há confiança na equipa técnica constituída, porque não pensar a relação laboral segundo a lógica comum de ter um contrato de trabalho sem termo?
Imagem de destaque28 Mai 2020, 15:00

Referi já, num dos textos aqui publicados, parte do que penso sobre a apreciação que faço do trabalho feito na formação, que é contrária à opinião negativa de muitas pessoas.

Hoje, deixo alguns tópicos de reflexão sobre essa mesma matéria.

Apesar de defensor da qualidade do trabalho feito nos escalões jovens de futebol, acredito que há sempre formas de melhorar o que está a ser feito.

Um dos problemas, mais visível pelos associados que menos acompanham o futebol jovem, prende-se com a maior competitividade que há na detecção de talentos. Os nossos rivais deram mais atenção ao futebol de formação (ainda que, no caso do FC Porto, se vejam parcos resultados, se tivermos a composição do plantel principal como referência) e, consequentemente, o Sporting deixou de ser quase o único “mestre” desta actividade. Com mais olheiros do que anteriormente e, também, com mais dinheiro disponível, os nossos rivais passaram a disputar a captação dos melhores talentos. Também passaram a ter outro tipo de poder para aliciar recursos humanos da nossa estrutura formativa. Este facto, para além de nos enfraquecer no domínio do “know-how”, leva à transferência de conhecimento e competência para os nossos rivais.

Creio que este fluxo migratório de treinadores de formação se deve à forma como a profissão é encarada pelos clubes. Segundo informação que recolhi, os contratos com os treinadores de formação seguem o mesmo padrão dos treinadores de futebol sénior profissional, sendo de duração limitada.

Se, numa estrutura dedicada à formação, há confiança na equipa técnica constituída, porque não pensar a relação laboral segundo a lógica comum de ter um contrato de trabalho sem termo?

Acredito que esta abordagem traria para cima da mesa um factor de estabilidade profissional que apaziguaria nos nossos profissionais a vulnerabilidade a propostas financeiras mais atraentes (mas limitadas no tempo e sem garantia de renovação do respectivo vínculo) de um rival ou de um clube estrangeiro. E isso poderia criar um factor de integridade na manutenção das equipas de trabalho numa área essencial para a vida desportiva e financeira da Instituição.

Portanto, se o núcleo principal de treinadores da formação (de todos os escalões) for tratado numa perspectiva de valorização da relação laboral a longo prazo, podemos pensar na segunda linha de treinadores, mais jovens e inexperientes, e no tipo de relação que com eles se quer manter, sempre tendo em vista planos de longo prazo (até porque um miúdo que entre no Sporting com 11 ou 12 anos, se tudo correr bem, vai levar 6, 7 ou 8 anos até estar em condições de ascender ao plantel da equipa profissional).

Estes treinadores mais jovens, sob direcção e coordenação dos mais experientes (e competentes), estarão em condições de desenvolver um processo formativo, enquanto treinadores de jovens atletas. Processo esse que será contínuo  e que, com o decurso do tempo, vai permitir a esses treinadores, valorizados pelo tempo de trabalho e de experiências, assumir o lugar de “formador prático” de treinadores, quando tiverem a oportunidade de liderar uma equipa e tomar o lugar daqueles que orientaram o seu percurso formativo.

Isto significa que o Sporting estaria a promover a formação interna de recursos humanos, no domínio do treino. Creio que tal já sucede mas sempre com aquilo que eu encaro como uma limitação à fixação dos mais competentes, que é a duração da relação laboral. Ou seja, é difícil alimentar uma relação de longo prazo, especialmente quando os jovens treinadores de formação têm ambições de chegar ao futebol profissional (o que é legítimo) e vêem esta estapa inicial, simultaneamente, como processo de aprendizagem e como rampa de lançamento para esse objectivo. Também nesta situação me parece que o Sporting deverá dar primazia a quem quer ser, essencialmente, treinador de formação.

Quando um jovem treinador chegar à liderança de uma equipa técnica, tal implicará que o anterior chefe de equipa terá ascendido para um trabalho de coordenação e de decisão, cuja voz deve ser ouvida na tomada de decisões estratégicas quanto ao futuro do modelo formativo.

Em minha opinião, um sistema hierarquizado desta forma tornaria o nosso departamento de formação mais estanque e mais especializado no seu modelo de trabalho. Quem entra de novo já tem um plano estratégico a seguir, sob orientação. Quem já está, irá orientar os novos e, posteriormente, terá uma função de gestão. Portanto, o modelo vai sendo posto em prática com poucas oscilações em todos os níveis de intervenção implicados. Isso permite criar uma identidade e uma filosofia de longo prazo.

É claro que tudo isto só faz sentido se a estratégia implementada para o futebol profissional tiver conexão com o que é feito na formação.

Vou dar um pequeno exemplo, assente em notícias de jornal, cuja veracidade desconheço mas que é irrelevante para o ponto de vista que pretendo demonstrar: o Sporting tem nos seus quadros um jovem lateral esquerdo de 17 ou 18 anos (Nuno Mendes), de quem se diz ter um potencial interessante e, recentemente, saiu nos jornais um interesse num lateral esquerdo argentino de 20 anos. Faz sentido que o Sporting peneire o mercado à procura de um jovem para aquela posição? Pode fazer, tanto quanto pode não fazer, dependendo da estratégia. Se o Sporting não tiver a intenção de transferir o Nuno Mendes, eu creio que não faz sentido nenhum gastar dinheiro no lateral argentino de 20 anos. A diferença de idades é tão diminuta que será difícil que ambos os investimentos se mostrem rentáveis, em toda a sua plenitude. Creio que, partindo do pressuposto de que os relatórios técnicos internos sobre o Nuno Mendes são positivos, seria mais lógico procurar um lateral maduro, que colmatasse o curto período de tempo que o Nuno Mendes ainda tem para atingir a maturidade competitiva necessária para fazer sua a posição. Mas se os relatórios técnicos internos contrariarem aquilo que são as notícias sobre a qualidade do nosso atleta, então, procurar um jovem jogador com potencial de valorização já fará sentido. Assim como fará sentido (embora eu discorde de tal opção) se a ideia for transferir o nosso formando por uma verba substancialmente superior ao que tivermos que pagar por um jogador de qualidade e jovem para a mesma posição.

O que este exemplo também demonstra é que a formação, funcionando sob o princípio de competência, até permite à adminstração da SAD idealizar cenários alternativos que visem o reforço do plantel e o reforços dos meios financeiros. Na prática, a formação é a nossa galinha dos ovos de ouro e é maltratada com demasiada facilidade.

*O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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