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A FORMAÇÃO
Como se perdeu a hegemonia, os títulos nas camadas jovens também são mais repartidos, logo suscitando enormes críticas à qualidade da nossa formação.
Imagem de destaque14 Mai 2020, 11:00

Ciclicamente, a formação é o tema que serve para os sportinguistas lavarem a alma. Na ausência de títulos, no futebol de 11 profissional, fica a formação (bem como as modalidades) com o papel de nos apaziguar o descontentamento.

Só que, nos últimos 10 anos, os nossos rivais passaram a investir mais tempo e dinheiro na formação. Como resultado dessa política, a hegemonia que tínhamos deixou de existir e as selecções nacionais jovens recuperaram algum poderio no panorama internacional, o que é normal quando existem 3 potências desportivas a investir seriamente em equipamentos e recursos humanos para a formação de jovens futebolistas.

E como se perdeu a hegemonia, os títulos nas camadas jovens também são mais repartidos, logo suscitando enormes críticas à qualidade da nossa formação.

Alguns dos nossos rivais gastam mais dinheiro do que nós, chegando-se ao ponto de aliciarem recursos humanos da formação do Sporting. E isto ajuda a que, também por aí, se assista a alguma migração entre clubes (inclusivamente, clubes estrangeiros), por parte dos treinadores, que era algo muito pouco habitual, há anos atrás.

Porém, quer isto dizer que o Sporting trabalha mal na formação? Eu creio que não, não deixando de defender a ideia de que, apesar de tudo, há sempre alguma coisa a melhorar.

Desde a temporada 2015/16, o Sporting venceu o campeonato nacional de Juniores B (sub 17) por 2 vezes, e o campeonato de Juniores A (sub 19) numa ocasião. Se os números não são impressionantes, no mesmo período o trabalho desenvolvido na formação deixou como resultado a seguinte lista de atletas, a título meramente exemplificativo:

Luís Maximiano, Thierry Correia (Valência), Tiago Djaló (Milan – Lille), Ruben Vinagre (Wolverhampton), Daniel Bragança, Miguel Luís, Rafael Leão (AC Milan), Gonçalo Costa, Rodrigo Fernandes, Bernardo Sousa, Diogo Brás, Eduardo Quaresma, Gonçalo Inácio, Nuno Mendes, João Daniel Santos, Gonçalo Batalha, Joelson, Bruno Tavares, Tiago Tomás…

Desta lista, 5 atletas tiveram a oportunidade de se estrearem pela equipa principal e outros aprestam-se a ter essa oportunidade, na próxima temporada (ou até mesmo nesta, caso realmente sejam retomadas as competições). Desta lista poderiam constar, ainda, mais uma mão cheia de atletas com potencial para chegar à primeira equipa.

Há que analisar, época a época, as razões para que não se tivesse olhado mais para dentro. Nem sempre as razões são incompreensíveis. Muitas vezes, há opções de mercado que impossibilitam que surjam momentos de oportunidade para os nossos jovens ascenderem à primeira equipa. E essas opções só são criticáveis quando o resultado dessa política não é positivo, por via do fraco rendimento (e alto custo) dos atletas contratados. Nos últimos 5 anos, tivemos casos de sucesso e de insucesso, com recurso ao mercado. Tivemos épocas de boa competitividade e outras que nem tanto.

O que nunca deve a formação pagar é pelos resultados e pelas opções tomadas no futebol profissional. Se hoje há menos jovens no plantel, do que seria desejável, tal facto está mais relacionado com as opções tomadas ao nível da SAD do que com o trabalho realizado na formação.

Alerto, no entanto, que apostar na formação não é, meramente, encher o plantel principal da primeira equipa. Há que respeitar critérios de competitividade, que nem sempre são compatíveis com a ideia de ter 15 atletas da formação integrados no plantel.

Muitas vezes, ter 3 ou 4 atletas inseridos num plantel de maior qualidade, é mais susceptível de ser uma aposta mais fiável na formação. Integrar menos atletas, mas com um contexto mais favorável ao seu crescimento.

Sempre restará gerir desportivamente os atletas que não têm lugar no plantel principal, imediatamente. E aí reside o desafio de expor esses jovens a níveis de competitividade que os façam evoluir para, nos anos seguintes, se afirmarem como alternativas para a constituição do plantel da primeira equipa.

A equipa B seria uma importante ferramenta mas, no meu modesto entendimento, tal não é suficiente. Há que recorrer aos empréstimos, também, o que permitirá ter um maior número de atletas em exercício competitivo e favorecer, em termos probabilísticos, as condições de evolução individual dos jovens futebolistas. Se a actual administração reactivar a equipa B, tal parece-me ser uma boa medida. Resta esperar por saber como será gerida essa ferramenta que, na fase inicial, terá um nível de oposição de menor valia, em função de ter que se iniciar num escalão abaixo da II Liga (e resta saber como é que tal acontecerá, em função da alteração do mapa de competições, motivada pela crise do COVID 19).

Para além da criação da equipa B, seria aconselhável repensar a política introduzida na formação, de fazer avançar os atletas para o escalão imediatamente a seguir. Se é certo que tal pode melhorar e acelerar a evolução dos atletas, também me parece ser de elementar bom senso perceber que há atletas que têm ritmos de maturidade diferenciados, pelo que o perfil psicológico dos miúdos deve ser levado em linha de conta. Não quero dizer que a medida adoptada é errada mas, se for aplicada de forma cega, pode ser uma má opção (pense-se no efeito que poderá produzir-se num miúdo de 16 anos, que começa a jogar nos Juniores A e que, com o tempo, regressa ao seu escalão etário; nem todos os miúdos desta idade têm estruturas familiares capazes de lhes dar cobertura em períodos de desilusão ou desmotivação, assim como há miúdos para quem uma situação como a descrita pode representar um factor decisivo para se perder um futebolista profissional). Parece-me que tal medida deve ser usada casuisticamente, em função da qualidade técnica e (fundamentalmente) do perfil psicológico do atleta.

Para além da intervenção directa na formação, propriamente dita, as opções no futebol profissional também têm o seu peso na utilidade do investimento feito na formação. Já o disse, noutras ocasiões, que o plantel deve ter menos elementos do que tem sido habitual, devendo o núcleo desses atletas respeitar uma qualidade elevada. Se assim for, teoricamente, vamos ter atletas de qualidade num plantel curto, que vai permitir aos miúdos a convivência diária com jogadores de elevado nível, ao mesmo tempo que terão as suas oportunidades para jogar, por via do plantel ser mais pequeno (castigos e lesões vão abrir, por certo, a janela de oportunidade para esses jovens).

Em suma, a formação está longe de ser o nosso pecado capital. Pelo contrário, continua a ser a nossa tábua de salvação, quando tudo parece correr mal. E as palavras do Presidente, nas últimas semanas, indiciam que vamos ter mais jovens no plantel principal. Mas, como expresso neste texto, há mais condições a cumprir para que a formação resulte na plenitude da sua utilidade.

O autor escreve sob o antigo acordo ortográfico

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