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ACIMA DA LEI, SÓ A VERDADE
O problema, sempre o disse, não é da lei, mas sim da sua não aplicação por quem tem a responsabilidade, o dever e a obrigação de a aplicar, independentemente dos poderes instalados que estejam em jogo
22 Nov 2020, 10:40

No início desta semana fomos confrontados por alegadas afirmações de detentores de cargos políticos de relevância no nosso País, como sejam Ministros e Secretários de Estado, acerca dessa “grande nação” que é o “benfiquistão”. Seria até “engraçade”, se não fosse tão grave e indicador da promiscuidade que grassa entre o poder político e o futebol.

Ainda que, alegadamente, as afirmações tenham sido proferidas há cerca de dois anos, a verdade é que continuam actuais, uma vez que, durante todo este tempo, o que se assistiu foi um clube cheio de processos judiciais e contraordenacionais que, em bom rigor, na prática, não deram em nada.

E ainda que todos gozemos, à luz dos mais elementares direitos fundamentais, da presunção de inocência até prova em contrário, não é menos verdade que “onde há fumo, há fogo”…

Mas a verdade é que do outro lado da 2ª circular vai-se passando pelos pingos da chuva ou, melhor dizendo, pelos pingos da lei, decretos-lei, portarias, regulamentos, enfim… tudo para que os nacionais desse país não passem mal por um jogo à porta fechada legitimamente imputado, como ditam as regras ou que, livre-os o destino, alguma vez o clube seja condenado por algum dos processos que lhe são movidos, seja a nível institucional ou judicial.

Ainda que o clube em questão “só” esteja equiparado a uma nação, a condenação – que seja justa, entenda-se – num dos vários processos em que se encontra envolvido, seria igual ao fim do mundo.

Mas a única coisa que vem acima, é a verdade e se realmente existirem práticas consubstanciadoras de crimes no nosso “eterno rival” um dia, mais cedo ou mais tarde (por este andar, mais tarde do que cedo) as condenações terão de surgir, porque chega a um ponto que a audácia na prática ilícita é tanta, que não dá mais para encobrir ou disfarçar e é este o ponto que estamos a atingir.

Ainda assim, enquanto tal momento redentor do sistema judicial e desportivo não chega, sempre se dirá que esta intrínseca ligação entre o poder político, legislativo e decisor e uma instituição desportiva, não só é nociva para o desporto em si, mas fere as mais elementares noções de justiça, princípios e valores morais que pautam qualquer sociedade que se diz ou quer democrática.

A lei, na teoria, é como o sol, quando nasce é para todos. Só que não… Pelos episódios a que sistematicamente vamos assistindo, percebemos que as leis são feitas para todos, mas para só serem aplicadas a alguns.

A lei da violência no desporto dá direito a multas em catadupa aos clubes por expressões que ofendem apenas os mais sensíveis, dentro e fora dos estádios e recintos desportivos, sejam as claques legais ou não. Excepto para as que pertencem à nação implementada. Mas até se percebe, são claques imaginárias e não se pode castigar ninguém pelos amigos imaginários que cada um arranja.

A mesma lei prevê que podem ser aplicadas sanções como interdição de recintos desportivos ou jogos à porta fechada, caso o comportamento incorrecto do público se mantenha após aplicação de multas. Mas deve ser um mito urbano pois nunca se viu a sua aplicação, pelo menos quando foi decretada a esta “grande nação”. Mas também se compreende, pois vivemos numa era em que não se fecham fronteiras.

Em qualquer processo judicial que envolva uma empresa, automaticamente os seus responsáveis – administradores, sócios, gerentes – são chamados a responder por práticas ilícitas, em condições análogas às da empresa indiciada. Excepto para os do país em causa, o que até se percebe ao abrigo da imunidade diplomática de que devem gozar.

A justiça no desporto, à semelhança do que acontece noutros campos da nossa sociedade, é forte com os fracos e fraca com os fortes. E mesmo não causando estranheza, por força do hábito, causa desilusão, pois que, apesar de tudo, o ideal de justiça é algo a que ainda vale a pena aspirar, especialmente no futebol.

Pois que, se perdermos a fé em que o futebol ainda são onze contra onze e que, dentro de campo, tudo pode acontecer, o jogo vai perder ainda mais a magia e a mística que, coitadinhas, já estão bastante maltratadas.

A justiça, o desporto e a política não se podem misturar e ainda que azeite e vinagre possam dar um vinagrete, a verdade é que não se misturam e, se quando se separam, o azeite vem sempre ao de cima, a verdade também virá.

É preciso é a coragem para aplicar a lei, seja a quem for e doa a quem doer, porque se não existir essa coragem, bem podem chover leis e leis para acabar com certas situações no desporto. O problema, sempre o disse, não é da lei, mas sim da sua não aplicação por quem tem a responsabilidade, o dever e a obrigação de a aplicar, independentemente dos poderes instalados que estejam em jogo.

Do que fica desta nova disposição geográfica que nos foi dada a conhecer, tenho dúvidas de que um clube se possa equiparar a um país. Se seguir a corrente do politicamente incorrecto, acho até que é ofensiva a comparação. Mas há algo de que tenho a certeza absoluta, em termos de aplicação justa e correcta das leis ao futebol, continuamos ao nível de um país de 3º mundo.

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