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DO RECORDE DE VENDAS À ASFIXIA FINANCEIRA
Uma análise do relatório e contas 2019/2020 da SAD
Imagem de destaque12 Set 2020, 09:22
  • A reestruturação financeira

Começo a análise do Relatório e Contas (R&C) da época de 2019/20 por um facto relevante: a amortização de dívida bancária no total de cerca de 23.3 M€.

A reestruturação financeira concluída em 2014, em que a Sporting SAD comprometeu-se a:

  1. fazer reembolsos antecipados à dívida bancária,
  2. a criar “contas reserva” para fazer face à compra das famosas VMOC.

E que em 2019 teve uma revisão das condições aí contratadas, pois essas amortizações e reservas tinham certas regras, que foram renegociadas pela atual direção, aliviando as percentagens de “retenção” e de amortização obrigatória, mas que, no entanto, continuam a asfixiar financeiramente a SAD. Foram 23.3 M€ entregues à banca, não porque a SAD nade em dinheiro, mas por obrigação, o que me leva a perguntar onde anda a prometida reestruturação financeira feita durante a campanha eleitoral? Não a que foi “vendida” aos Sócios em 2019 e que consta no R&C, mas sim a que redefine a vida financeira presente e futura.

Pergunta: por que é que foi “rasgada” a reestruturação financeira negociada pela antiga direção? Foi porque arranjaram uma alternativa melhor? Não.

  • Factoring dos direitos de TV e das alienações de jogadores

A opção desta Administração de não prosseguir com a reestruturação financeira anteriormente acordada, tal como estava negociada, ou em moldes semelhantes, com um haircut na dívida e novas linhas de financiamento, com novas condições e prazos, empurraram o Sporting para a antecipação das receitas dos direitos televisivos dos jogos do Campeonato, e da distribuição da SportingTV, bem como para operações de Factoring sobre recebimentos das transferências de jogadores.

Na página 143, na Nota 21. Financiamentos Obtidos temos o quadro que revela a antecipação de receitas dos direitos televisivos, por recurso ao Factoring/Titularização de Créditos, com o detalhe que está na imagem seguinte.

Embora sem grande enfase e quase parecendo uma nota de rodapé, fica evidente que a Administração já antecipou tudo o que havia a receber do “recorde de vendas de jogadores”, o que será visível na análise aos Fluxos de Tesouraria, e ainda mais importante para a análise das necessidades para a próxima época de 20/21.

Estas operações de financiamento com antecipação de receitas têm um reflexo nos juros e nos custos financeiros que a Sporting SAD está a suportar, conforme podemos ver no quadro da página 124, na Nota 10. Resultados Financeiros.

Verificou-se um acréscimo de 50% nesta rúbrica face a 2018/19 e se olharmos para os Juros, no valor de quase 13 M€/ano, valor este para uma dívida financeira de 126 M€, eleva a taxa média a mais de 10%/ano. Uma enormidade.

Como sabemos o Empréstimo Obrigacionista tem uma taxa fixa de 6,25%, logo para em média estarmos nos 10%, então o custo das operações mais recentes, contraídas e negociada por esta direção, terão de ser acima da média dos 10%.

  • Análise dos fluxos de caixa de 2019/20

A entrada de dinheiro pelo Factoring dos créditos da venda de jogadores está bem patente na Demonstração de Fluxos de Caixa. Neste mapa podemos ver as Origens, a positivo, e as Aplicações, a negativo entre parêntesis, do dinheiro que foi movimentado, e em que ciclo da gestão da empresa foi gerado: 1) ciclo operacional, 2) ciclo de investimento e 3) ciclo de financiamento.

Assim temos que:

1 – O ciclo operacional está francamente negativo, tendo inclusive piorado face ao ano anterior, este que é o ciclo que nos indica se uma atividade, seja ela qual for, está saudável economicamente. Pagaram-se mais 53.3 M€ do que se recebeu e mais haveria para pagar. A operação está claramente a ser financiada pelo ciclo de investimento, ou seja, pelas vendas de ativo/plantel.

2 – O ciclo de investimento está a gerar dinheiro, pelo desinvestimento que está a ser feito através da venda dos melhores ativos. Receberam-se mais 98.6 M€ do que se pagou. Aqui entram os tais 81.4 M€ de créditos sobre vendas de jogadores que foram antecipados em operações de Factoring.

3 – O ciclo de financiamento está a aplicar o dinheiro gerado pelo ciclo de investimento, reduzindo o stock de dívida. Pagaram-se 23.3 M€ em redução de dívida bancária, num total de 33.2 M€ de aplicações de fundos.

No final do exercício de 2019/20 e dadas estas origens e aplicações ainda se ficou com cerca de 15.4 M€ na conta bancária como se pode ver no quadro seguinte, o que dá para pagar, grosso modo, cerca de 4 meses de salários.

  • E no exercício de 2020/21 o que nos espera?

1 – No ciclo operacional sem receitas dos direitos de TV, pois terão sido antecipadas até ao fim da época de 2021/22, e quase sem receitas dos Match Days pelas regras impostas pela DGS, teremos de viver com de cerca de 39M€ na época de 2020/21, para fazer face às despesas correntes que, entre custos salariais com plantel e serviços externos, rondarão o dobro, ou seja cerca de 80 M€.

2 – No ciclo de investimento e com a conta de Fornecedores a atingir os 56 M€, exigíveis pelos nossos credores a menos de 1 ano, com a seguinte distribuição: 1) Clubes com 26.5 M€, 2) Agentes com 21.5 M€ e 3) outros credores com 7.9 M€; e por outro lado, com a conta de Clientes com 17,2 M€ a receber, a maior parte dos quais referentes à venda dos direitos desportivos do Mateus Pereira, então, o ciclo de investimento pode-se considerar bastante desequilibrado, parecendo que a perda sucessiva de qualidade do plantel secou a fonte de financiamento da atividade operacional, pelo menos para já, pois não houve nenhuma transação relevante no mercado de Verão que pudesse vir a equilibrar a balança.

3 – No ciclo de financiamento vemos que a Dívida Financeira corrente tem o valor de 17.6 M€ da titularização de créditos que tem de ser amortizada.

Da análise do R&C e fazendo um exercício previsional da atividade da Sporting SAD temos no quadro seguinte, numa simplificação, o cenário que se extrai das peças financeiras, e que faz transparecer uma necessidade de quase 75 M€ para que a Sporting SAD mantenha a sua atividade equilibrada e a fazer fce aos compromissos assumidos. Vejamos:

Concluindo

Parece evidente que partindo das receitas que estarão disponíveis para a próxima época, no total de cerca de 56 M€, e com os gastos operacionais de cerca de 80M€/ano, alguma coisa terá de ser feita em termos de atos de gestão para equilibrar esta sangria de dinheiro constante. Se nada for feito por volta de janeiro de 2021 a Sporting SAD estará perto da rotura de tesouraria, mesmo não pagando nada do que deve aos Clubes e aos Agentes.

As perguntas que ficam no ar são: será que a Administração da SAD estará a contar com o mercado de Inverno para fazer duas vendas salvadoras, pois uma só não chegará, dos jovens jogadores do plantel? Ou será que ainda vai vender ao desbarato neste mercado de Verão? Ou pura e simplesmente não pagará o que deve a Fornecedores? Ou será um misto disto tudo?

Depois de se analisar o R&C fica-se com a clara noção que:

  • Tivemos gastos demasiado elevados para tão pouca qualidade do plantel e para tão pouco rendimento desportivo.
  • A redução dos gastos em salários deveria ter sido mais forte e há mais tempo.
  • O lançamento de jovens da formação deveria ter ocorrido há mais tempo.
  • Não se deveria ter gasto mais de 60M€ em aquisições que dificilmente darão retorno financeiro.
  • Não se deveria andar a brincar ao contrata/despede treinadores para depois se estar a pagar milhões em indemnizações e muito menos pagar exorbitâncias pela desvinculação dos mesmos.
  • O défice de tesouraria do próximo ano de cerca de 75 M€ não existiria, e muito provavelmente teríamos uma tesouraria positiva caso a gestão tivesse seguido os pontos acima e sem perda adicional de competitividade.

Daqui conclui-se que só será possível manter-se este nível de gastos salariais e de serviços externos com a ida regular à Champions, com as receitas de Match Days superiores aos valores pré-covid, e com as receitas do contrato da NOS a entrarem nos cofres na data devida, sem esquemas de antecipação. De outra forma estaremos sempre com a corda na garganta e em posição de fragilidade negocial, acabando por pagar mais caro na hora de comprar e a receber menos na hora de vender, além de ter de vender antes do tempo, antes de se retirar rendimento desportivo dos atletas, que é o principal maximizador de rendimento financeiro dos mesmos.

Esta é a análise que deve de ser feita, olhando para o futuro, mas retirando as lições aprendidas do passado, com racionalidade, não com chavões propagandísticos de recordes de vendas que não passam de vitórias de Pirro, pois as vendas são consequência da má gestão e da asfixia financeira, e não dos bons resultados desportivos.

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