A partir do momento em que o João Duarte me convidou para assinar uma coluna no Leonino que assumi essa responsabilidade e procurei identificar um conjunto de questões que pudessem promover uma apresentação da minha visão e suscitar algum debate com os leitores. Em primeiro, e julgo que isso será consensual, este projeto está de parabéns. Há espaço para o mesmo no panorama nacional e internacional e para muitos outros projetos como este. O Leonino, de uma forma regulada, como órgão de comunicação social que é, tem um conjunto de obrigações, para lá das que se autoimpõe e com as quais me identifico e me permitiram aceitar de bom grado este desafio a que espero que consiga corresponder. Realço no estatuto editorial do Leonino as frases que incluem palavras como “exigência”, “rigor”, “democracia”, “liberdade”, “pluralismo” e “ética”. Pois, vamos a isto.
Não me vejo, de facto, a discutir as incidências do jogo jogado, embora também aí possa chegar, mas quero aproveitar este espaço, enquanto interessar aos Sportinguistas, para pensar o Sporting Clube de Portugal, o Desporto, as Competições e, com isto, a realidade social com que nos defrontamos em Portugal, procurando, com todos os interessados, identificar o que realmente está bem ou mal, e como podemos ser fator de intervenção na sociedade civil e desportiva, a bem dos ideais que construíram e deram o substrato ao nosso Clube.
O título do presente artigo é a meu ver triste q.b. para perceberem, escrevendo eu depois do jogo de futebol da passada sexta-feira, o meu estado de alma. Pelo jogo, pelas incidências e pelos resultados. Mas já pensara utilizar este título antes, pois enquanto elencava um conjunto de ideias para escrever a cada semana (volto a dizer e espero que acreditem, que não é fácil se, de facto, queremos fazer um trabalho sério) tomei conhecimento no passado dia 12 do falecimento do filósofo inglês Roger Scruton, nascido em 1944. Quando ouvi a notícia lembrei-me e fui recuperar um livro que li por volta de 2012 – “As vantagens do pessimismo e o perigo da falsa esperança”. Fui reler a obra, editada em Portugal pela Quetzal, já que me recordava de importantes analogias à realidade atual. Roger Scruton é uma personalidade ligada ao Partido Conservador no Reino Unido. E essa importante faceta faz-me ir às origens do Sporting. Um clube nascido num seio aristocrático, que evoluiu para uma organização de âmbito nacional e transversal em todas as classes sociais. Um clube com adeptos que se orgulham desses tempos e que sorriem (ou riem mesmo) das tentativas pífias dos outros, feitas através da adulteração das suas datas de constituição, tentando ocultar o papel financeiro, patrimonial e desportivo, importante, que os Sportinguistas do início do século XX tiveram para a sua criação e desenvolvimento. Mas enfim. Ligando ao texto do “Pessimismo”, Scruton afirma logo no início que “não tem dúvidas que a esperança, desligada da fé e sem ser mitigada pela evidência da História, é uma coisa perigosa e que ameaça não só os que abraçam, mas também todos os que estão ao alcance das suas ilusões”. Esperança, porque nós Sportinguistas habituámo-nos a dizer que o nosso verde é de esperança feito. Que não sendo campeões este ano, para o ano isso ocorrerá. Tem de acontecer. Pois é dessas ilusões, vendidas por incapazes e pantomineiros que muitas vezes, a horda segue, cegamente e, numa visão historicista que o filósofo inglês identifica, provocam as ilusões que tanta desgraça têm trazido ao Mundo. Por isso, o pessimismo esclarecido “é a voz da sabedoria num mundo de ruído. E exatamente por esta razão, ninguém a ouve.”
O Sportinguista hoje, e isso sentiu-se bem no final do jogo de sexta-feira, que tive a oportunidade de assistir in loco, sente um misto de acomodação e de pânico, pois tem vivido momentos de engano e ilusão, votando naqueles não em que acredita, mas em que quer ou tem de acreditar. Seja porque tenham uma voz ponderosa, seja porque sentiram, algures no tempo, o cheiro do balneário.
Como já devem os leitores ter percebido, consigo rever-me no que Scruton escreveu há cerca de dez anos (e aconselho todos a ler este livro que aqui cito parcialmente). Tenho tido a oportunidade e até a necessidade de compreender toda a minha vida feita de Sporting, desde 2011 até hoje. E revejo-me em algo que considero importante: apesar da falta de campeonatos de futebol ganhos, o Sporting é grande, enorme. As diversas sondagens mais ou menos recentes situam-nos num patamar entre os dois milhões e meio e os três milhões de adeptos só em Portugal. E, neste mar de gente, é óbvio e expectável que haja divergências formais e até antagonismos mais aguerridos. Que ninguém espere a desejada união, porque a aparente união dos outros resulta da óbvia ressaca de vitórias e do concomitante impacto que se tem nos Média e na opinião publicada. Digo aparente, pois, a união dos outros é falsa e resulta de um ato tribal de satisfação que, acredito, terá, a prazo uma inversão, que ocorrerá por dentro das suas estruturas, que neste momento se podem considerar totalitárias. Ora se todos os regimes totalitários acabam por se esboroar, os que estão ao nosso lado também caducarão, pela própria entropia dos seus elementos. Chamo entropia, neste caso, à perceção clara que, apesar do, ou por causa do ruído, os adeptos deste regime não estão orgulhosos dos seus feitos. E isso reflete-se, a contrário, pelo desproporcionado insucesso a nível europeu, para o qual responsabilizam maldições de almas passadas. Quem mais?
E qual o nosso papel nisto tudo? Fernando Tavares Pereira já o disse na sua crónica primeira no Leonino: “o Sporting Clube de Portugal deveria estar representado em todos os órgãos nacionais e internacionais do desporto, para que possa contribuir para a isenção e transparência dos mesmos, e para que haja tratamento igual para todos os clubes”. E é isto.
Quanto ao livro de Scruton (a sério, têm de o ler!), quase no fim, e teorizando sobre as formas de sustentar a continuada ilusão, combatendo quaisquer dúvidas que os seguidores e crentes tenham quanto ao caminho a seguir (mal!) identifica duas interessantes: a culpa transferida (o que acontece de mal é culpa dos outros) e a criação de bodes expiatórios (quando o “ilusionista” está prestes a ser desmascarado, entrega-se como vítima de sacrifício, alegando que os críticos são inimigos internos). E isto só se resolve com sentido de responsabilidade, verdade, transparência e também com uma aceitação das críticas e das opiniões. E isso dá muito trabalho, senhor doutor.
Desculpem se me alonguei. A partir daqui é sempre a melhorar.
Gallantt Mar
Gostei muito da lucidez acerca da actualidade Sportinguista e nacional.Adorei o titulo do livro de Roger Scruton.Tem tudo a ver com a realidade Leonina e nacional.Obrigado.
Camilo Pinto
Uma "lufada de ar fresco". Obrigado
Pedro Manuel Ramos
Sublime, este seu escrito, caro Consócio Carlos Vieira...não só pelo dois temas principais que aborda "O MEDO E O COMODISMO" mas, sobretudo pela relevância que poderão ter no Universo Leonino! Poderei estar errado mas, quanto a mim, é a primeira vez que leio de forma pública e tão aberta, um escrito seu e relativo aos momentos tormentosos que vamos tentando viver e conviver no seio do Clube! O medo a que se refere, é transversal a toda a massa Associativa e de Adeptos. A luta é desigual, os poderes instalados são demasiado obscuros, doentios e acéfalos para, que todos nós, possamos encarar de frente, tais desvarios e afrontas! A desigualdade nesta luta quase fratricida, é abismal e até pouco edificante para quem, como eu, a tem travado e, isso, leva por arrasto a um comodismo exacerbado e até pouco conexo com o símbolo do LEÃO! Mas esta, é a verdadeira característica de um Povo e de um País vergado à sua história que é fértil em exemplos desta natureza! Assim, gostaria de felicitá-lo pelo seu brilhante quanto incisivo pensamento que, poderá mudar, em muito, o rumo dos acontecimentos e dar à NAÇÃO LEONINA um bálsamo de coragem e de uma atitude consentânea com a verdadeira razão de ser-se SPORTINGUISTA! Um abraço, sincero deste seu humilde consócio.
Miguel Marcelo
Agradeco o "senhor doutor" no final do ultimo parágrafo. Sem esse acrescento poderia o leitor inadvertidamente ser levado a pensar que o senhor autor se dirigia a uma outra figura da direcção que o próprio vice-presidiu. E de resto, socorrer-se de uma figura altamente controversa como Scruton para redigir este texto, tem muito que se lhe diga. Ou não fosse o inglês uma figura associada a um conservadorismo que se confunde com nacionalismo, e associado a inúmeras observações homofóbicas e anti-semitas...
José Galvão
Muitos parabéns pela análise feita. Não tenho dúvida que, a sua pessoa, foi determinante no excelente trabalho realizado na gestão do Sporting Clube de Portugal no tempo que lá permaneceu. Espero que numa próxima direção, que gostaria fosse para breve, possa continuar o trabalho que estava projetado e reparar todo o mal que estão a fazer ao nosso GRANDE clube. Um bem haja e que as suas análises possam fazer acordar os leões adormecidos, resignados e descrentes!! Saudações Leoninas
António Natário
Saúdo, em primeiro lugar, a participação neste espaço, que espero de mobilização sportinguista. Em termos de conteúdo, concordo com o panorama apresentado. Regredimos, de forma clara em relação ao passado próximo, numa acentuada perda de competência. De tal forma, que me parece impossível que seja permitido aos atuais dirigentes a preparação da próxima época desportiva. A meu ver, o Sporting, mais que mudar pelo simples instinto de mudança, deve refletir sobre a forma como funciona e definir, com critério, os objetivos que pretenda cumprir. Eleger presidentes pela acumulação de frases feitas e clichés datados deu no que deu. A assembleia geral é o espaço primordial dessa reflexão e dessa autocrítica. Um espaço em que o sportinguismo prevaleça, com respeito, com seriedade, em que, finalmente, o clube prevaleça.
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