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MANIAS DE GRANDEZA
Até esta seca, no que ao campeonato diz respeito, sustenta o estatuto de grandeza alicerçado numa massa adepta que não mostra sinais de decréscimo.
06 Ago 2020, 09:00

Há vários critérios para determinar a grandeza de uma instituição desportiva e cada um pega naquilo que bem entender. Há clubes grandes, pelos títulos que ganham, há os que são grandes porque têm uma gigantesca massa adepta (ou uma gigantesca proporção da população do país onde estão sediados), há os que são grandes porque se dedicam a algo mais do que o futebol e obtêm reconhecimento noutras modalidades, etc…

Há quase dois anos, desloquei-me a Guimarães para assistir ao jogo que o Sporting iria disputar. Confesso que me deixei impressionar pelo ambiente vivido na área circundante ao estádio e dentro dele. Jogar ali é a mesma coisa que ir à Luz ou ao Dragão. Três quartos do estádio são vitorianos. E são ruidosos. Vi famílias inteiras (pai, mãe e filho(s)) vestidas de alvinegro, com camisola, cachecol e barrete. Parecia até um ato cerimonial e social, em que as famílias se deslocam aos centros das respetivas comunidades. É certo que essa manifestação de fervor vitoriano se fez, também, porque era o Sporting que visitava a cidade fundada por Vimara Peres.

Este é um exemplo de manifestação de grandeza, reforçada pelo facto (quase único) de toda aquela gente ser realmente vitoriana como primeira e única opção de apoio clubístico.

No passado, o Boavista manifestou o seu grau de grandeza mediante alguns brilharetes europeus, vitórias na Taça de Portugal, até ao dia em que foram campeões nacionais. Era um clube com uma vincada demonstração de personalidade, mas que só timidamente ia querendo disputar a posição de emblema da cidade ao FC Porto.

Num passado ainda mais longínquo, temos o exemplo do CF Os Belenenses que, além de um título de campeão nacional, chegou a ser o maior movimento associativo ligado ao futebol.

O que distingue o Vitória Sport Clube do Boavista e do Belenenses é, essencialmente, o facto de ser um clube imensamente apoiado sem nunca ter sido campeão nacional de futebol sénior. Também não é um exemplo de grandeza tipificado pela moda passageira. Até viveram uma despromoção que motivou um apoio massivo dos seus adeptos, nesses tempos duros de segunda liga.

Que me lembre, mesmo nos tempos em que o Vitória disputava o terceiro lugar no campeonato, nunca os seus dirigentes tiveram a veleidade de pretender ser o que não eram. Nunca se puseram em bicos dos pés, apesar de o Vitória ser em si um clube de uma grandeza ímpar no nosso futebol, quanto mais não seja, pelo facto de a sua massa adepta fugir ao padrão nacional de apoiar um dos “grandes” e ter o clube da terra como segunda opção. Também foge ao padrão de se ser de um dos “grandes” e ser do clube da terra, quando este manifesta lampejos de uma competitividade acrescida (sem nunca chegar ao ponto de disputar ou ganhar um campeonato).

Na realidade, é bem possível que o Vitória Sport Clube seja o clube de maior apoio popular, logo a seguir aos “três grandes”. Sob esse prisma, é sem dúvida o maior clube do Minho.

O que tem em comum com o Boavista? Apesar de bem enraizados, sempre conviveram bem com o facto de terem uma dimensão regional. A dimensão nacional só pode advir dos títulos e do fator tempo (veja-se quanto tempo levou o FC Porto a ser reconhecido no Sul do país, como sendo a preferência de um significativo número de adeptos).

Ora, Braga, mesmo sendo uma cidade de excelência neste país, ainda não sustenta nenhum clube de dimensão nacional. Nem sequer suporta, em termos de massa adepta, o maior clube do Minho. Eu diria que o SC de Braga não é sequer o clube com mais adeptos dentro da própria cidade. Se assim é, não vejo razão para andar a comparar a nossa dimensão com a do SC de Braga. Nem acho normal que o nosso presidente se deixe arrastar para esse tipo de discussão, que só dá tempo de antena a alguém que quer fazer parecer que é aquilo que não é. Mas se lhe respondemos à letra, damos eco aos disparates que dali são proferidos.

O nosso Sporting é, sob todos os prismas, um clube de dimensão nacional e muito justamente designado como um dos “três grandes”. Pela sua história, pela dimensão da massa adepta, pelo seu ecletismo – que lhe permitiu reconhecimento internacional em mais do que uma modalidade -, mas há já muito tempo que não festeja um título nacional de futebol sénior. E até esta seca, no que ao campeonato diz respeito, sustenta o estatuto de grandeza alicerçado numa massa adepta que não mostra sinais de decréscimo.

Esta grandeza permitiu, a título de exemplo, negociar um chorudo contrato de direitos televisivos; esta grandeza ainda permite ao Sporting ter uma reputação internacional, capaz de atrair jogadores de valia; esta grandeza ainda nos permite captar jovens talentos, em quem depositamos a esperança de que possam repetir os feitos de Figo e Cristiano Ronaldo; esta grandeza ainda é garante de uma capacidade para captar recursos financeiros, que nos deveriam fazer estar a uma considerável distância de todos quantos não lutam para ganhar o nosso campeonato nacional.

Mas não basta viver da nossa grandeza. Há que não gastar como um clube rico e contratar atletas de clube financeiramente frágil. Há que usar bem os nossos recursos porque, sendo o Sporting um dos “três grandes”, não é o clube nacional que mais receitas obtém, pelo que é necessário aplicar bem as divisas disponíveis para se poder viver sob o lema “fazer mais com menos”. Há que não proferir expressões de arrogância, quando o desempenho profissional é perfeitamente contrário a essas frases feitas que pretendem afirmar uma ideia de ambição.

Há que não dar tempo de antena a presidentes de clubes que, com um terço do nosso orçamento, nos superam no campeonato nacional, para não alimentar a mania de grandeza alheia (especialmente se isso for à nossa custa) e para não realçar a nossa incompetência na gestão desportiva, que nos leva a ser suplantados por outrem que gasta muito menos do que nós.

O estatuto da nossa grandeza não é um direito adquirido, nem os recursos são infinitos. Se não houver cuidado, rapidamente voltaremos a assemelhar-nos a uma família da antiga nobreza, na mais completa miséria financeira e… reputacional. Eu não quero voltar ao Verão do ano de 2013, nem viver numa aparente grandeza de estatuto, mas com os bolsos vazios.

Não me levem a mal que desconfie da capacidade dos atuais responsáveis, quando o CFO diz que as receitas de bilhética representam metade das receitas ordinárias. E porque fico eu em sobressalto com estas declarações? Porque, de acordo com os documentos sobre as contas da SAD, a receita de bilhética é de 19,5M€ (arredondando para cima) num total de 78,8M€. Ora, é fazerem-se as contas… Mas, efetivamente, a receita de bilhética quase que dá para suportar o orçamento do terceiro classificado deste último campeonato.

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