(Com uma equipa jovem, o Sporting CP ganhou na última jornada, sem precisar de golpes de asa como os que assistimos noutros relvados. Quase a fazer esquecer a vitória que deu alento aos verdadeiros sportinguistas, a semana findou com a morte de Pedro Lima, conhecido actor e adepto do Sporting CP. Entre o espanto e a tristeza, o que restará sempre é a memória do sorriso, agora acompanhado pela certeza de que há gritos de alerta que são silenciosos. A brutalidade com que nos dizem ter posto fim à vida, meras horas depois de ter estado a gravar com aparente normalidade, é um sério sinal destes estranhos tempos. Já há uns tempos atrás, um outro Sportinguista e meu colega de faculdade, o Emanuel, tomou exactamente a mesma decisão, apanhando os seus amigos desprevenidos. Muitas vezes, estamos absolutamente sós no meio de uma multidão que se acotovela. Longe de se tratarem de tragédias individuais, cada suicídio é uma derrota da sociedade no seu todo e, enquanto não percebermos isto, estamos condenados a sermos completamente inconsequentes. As revoltas nas redes sociais valem pouco se não forem acompanhadas de actos na vida real. E acontecimentos recentes no Sporting CP bem demonstram que o que se passa na internet não tem, muitas vezes, correspondência com a vida a sério.)
O título que dá origem a estas linhas é da autoria de Simone Beauvoir, filósofa francesa e companheira de Sartre, conhecida tanto pelas obras literárias, onde defendia a corrente do existencialismo, quanto pela defesa dos direitos das mulheres, nos idos anos de 60 do século passado.
Décadas volvidas, seria altura de ficarmos pela grandeza dos seus livros por a sua causa dever estar ultrapassada. Curiosamente, quando se pensa que as questões de igualdade de género estão já fora da agenda e se tornaram desnecessárias, eis que uma ou outra notícia nos fazem dar o passo atrás.
Não escondo que o mundo do futebol me pareceu sempre profundamente machista, bastando olhar para a esmagadora maioria das direcções dos clubes e dos órgãos regulamentares. Esse machismo passa também pelos comentários que são feitos a cada instante, em que os ofendidos homens são sempre rotulados de homossexuais e as mulheres visadas alvo de toda a sorte de ofensas, as quais, repito, definem apenas os respectivos autores.
Até agora e desde há décadas, contudo, este machismo era insinuado e concretizado mas sem nunca ser acintosamente afirmado. Se na prática era fácil perceber a diferença de tratamento, não existia até agora uma linha sobre o assunto, como se o silêncio fosse apto a esconder a realidade.
Foi, assim, com algum espanto que se tomou conhecimento da proposta da Federação Portuguesa de Futebol consistente em limitar o tecto máximo da massa salarial das jogadoras (e, como é óbvio, deixando de lado o futebol masculino). Para além de uma profunda ignorância sobre as regras comunitárias quanto aos limites de remuneração, a dita proposta, obviamente preconizada por homens, reflecte uma concepção dualista, ainda que seja apresentada como um “teste”, a ser estendido ao futebol masculino.
Por outro lado, embora se admita que o argumento não impressione quem se senta nos lugares do poder, consubstancia uma clara discriminação, proibida pelo art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
Mais surreal ainda é a circunstância de ter sido apresentada como uma ajuda aos clubes, ainda no rescaldo da Covid-19. A ser como se dizia, então a dita “ajuda” seria muito mais eficaz no futebol masculino, onde os atletas ganham substancialmente mais. Por seu turno, não deixa de ser também sintomático que o Sindicato dos Jogadores, o qual tanto quanto se alcança, também é suposto representar as jogadoras, não tenha precozinado uma reacção firme quanto a este tema quando tem pautado a sua conduta por iniciativas firmes quanto a outros.
Num país em que tudo o que é temporário tem a estranha tendência para passar a definitivo, um alegado teste deste calibre, para mais justificado como está e aplicado a quem, seguramente, ganha muito menos, é não apenas ofensivo, como ridículo.
Daí que, se não merece estranheza a reacção das jogadoras, causa alguma apreensão o silêncio dos Clubes perante tal anúncio. Não se desconhecendo que, para a maior parte dos dirigentes, as mulheres são, de facto, o segundo sexo, a hipocrisia dominante mandaria que se fingissem, pelo menos, solidários.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.
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