A vida corre lentamente, suspensos que estamos perante o avanço do vírus e o decretamento de medidas de que nunca esperámos ser alvo. Embora nos tivessem afiançado um prazo de 15 dias, aos poucos começa-se a falar de períodos de confinamento cada vez mais prologados. Circunscritos nos movimentos e confrontados com um inimigo que não se vê, resta, para a maior parte de nós, viver com um certo vazio e aprender uma nova forma de vida e de trabalho, muito assente nos meios digitais.
Entretanto, se a maior parte de nós teme, também, a crise e o seu próprio posto de trabalho, nos clubes a situação não parece diversa, desconhecendo-se se voltaremos a poder assistir a jogos até ao final do campeonato, com as consequências evidentes. Após a Sonae aparentemente ter pretendido manter o montante integral das rendas pagas pelos Kiosques, o Sporting Clube de Portugal teve que tomar a decisão – que creio ter sido difícil – de os encerrar (assim como as Lojas Verdes), o que determinou a dispensa da maior parte dos funcionários que ali vinham prestando serviço, através de uma empresa de outsourcing. Secundando o Diogo Leitão (LER AQUI), não posso deixar de registar que, para mim, a alma deste Clube assenta muito mais nos funcionários anónimos que asseguram quotidianadamente as tarefas do que nas sucessivas direcções, sejam elas compostas por quem forem.
Durante este período, outras medidas deverão ser tomadas, sendo que, como se sabe, não há crise que não passe pela compressão de direitos dos trabalhadores mas esta, seguramente, não se resolve apenas por esta via. O destino das Gamebox, os patrocínios, a falta de receitas nos bares e do merchandising, tudo isso, presumo, passou a estar em cima de uma mesa que já tinha demasiadas situações pendentes.
No meio disto, e em claro sinal de esperança, o Clube tem dado sinais de reacção e de vitalidade, seja pelas iniciativas dos Núcleos, seja pela oferta de material necessário para o combate ao vírus, como luvas e máscaras. Conseguir ser solidário quando a nossa própria casa tem debilidades é um dos timbres do Sporting Clube de Portugal e são exactamente estas as notícias que devem merecer, por ora, o realce. Num momento em que estão em causa vidas humanas e em que as actividades desportivas estão em suspenso, pretender aproveitar a alegada ausência de Frederico Varandas para uma qualquer assembleia, evento aliás, proibido pelo estado de emergência, é não olhar a meios para atingir os fins. E não pode valer tudo. Mesmo para os que acham que vale, deveriam existir limites que não se ultrapassam. Os da dignidade. Os da solidariedade. Se não para com esta Direcção, pelo menos para com os que possam precisar de cuidados médicos num país que manifestamente continua a não parecer estar preparado.
Em contraciclo e já não podendo invocar desconhecimento sobre a gravidade do Convid e a emergência da questão de saúde pública, Nuno Lobo, Presidente da Associação de Futebol de Lisboa, manifestou-se contra o cancelamento dos campeonatos das equipas de formação, tal como fora decidido pela Federação Portuguesa de Futebol. Segundo mesmo, a vir a existir tal cancelamento, este deverá atender aos “interesses desportivos” e aos “interesses financeiros” dos clubes da capital. Pelos vistos, para a Associação de Futebol de Lisboa, os ditos interesses económicos devem prevalecer sobre a saúde de crianças e adolescentes.
Se em todas as crises há sinais de esperança, muitas delas, também servem para a verdadeira natureza de cada um se demonstrar. E a verdade é que, diga-se o que se disser, mesmo a dita esperança floresce melhor quando vemos a realidade como ela é. Ainda que não gostemos dela. Direi até que principalmente nestas ocasiões porque, como escreveu um dia Nietzsche, é preciso o caos para se gerar uma estrela.
Que a estas trevas se suceda a luz e que até lá o caminho seja trilhado com respeito pela dignidade e saúde de todos, incluindo os jovens desportistas. De novo, mais não se exige mas menos não se aceita.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.
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