
Um pedaço de ouro no caminho das pedras do Sporting
Se há coisa que a vida nos ensina é que o que parece certo, adquirido, rapidamente se transforma num cenário diametralmente oposto.
28 Jan 2020 | 08:00
É expectável que na reestruturação financeira que deverá estar a ser anunciada, o Sporting não aliene ou, de alguma forma onere ou dê como garantia essas VMOCs.
A questão de se alienar a maioria do capital da Sporting SAD, que agora parece ser uma panaceia para males maiores, vem demonstrar à saciedade aquilo que tem sido muitas vezes apanágio da realidade Portuguesa: algumas “elites” não reconhecem ao povo a capacidade de se autogovernar e isto aplica-se a um País, como se aplica a uma organização coletiva que tem uma representatividade significativa nesse País, como é o caso do Sporting Clube de Portugal.
Dir-me-ão: nada disso, o problema não é de governança, mas sim de existir capacidade financeira reforçada com novos investidores idóneos que possa colocar o nosso futebol ao nível dos nossos adversários.
E a isto digo, parafraseando uma novel deputada da Nação: é MENTIRA.
Então vamos a factos:
1. Com o regime do fairplay financeiro¹, as receitas da SAD têm de ser significativamente iguais às despesas (permitindo-se um desvio negativo de cinco milhões de euros). Estas despesas excluem gastos com futebol formação, futebol feminino e amortizações de infraestruturas desportivas, como estádios e academias. Assim, um capitalista que possa aumentar os capitais próprios de uma SAD não influencia as receitas e, por isso, por mais capital que coloque, não tem efeito sobre o equilíbrio que se pretende.
2. Alguns investidores em alguns clubes, têm promovido o aumento das receitas através de esquemas de inflacionamento das mesmas (normalmente patrocínios) ou desreconhecimento de gastos com jogadores (adquirindo jogadores através de outros clubes e emprestando-os abaixo do preço de custo aos clubes europeus), mas isto tem vindo a ser corrigido pela UEFA em sede de auditorias, alinhando as receitas e os custos com os benchmarks do mercado. E, além dos formalismos, importa também cumprir com critérios éticos, que não apenas os financeiros. Digo eu.
3. A comparação com o futebol inglês não é legítima. O futebol inglês entrou há anos numa espiral negativa que permitiu que um conjunto significativo de capitalistas do outro lado do muro de Berlim, e não só, fizessem uma entrada a preços simpáticos e com uma regulamentação que permitiu, antes de outros países o fazerem, a entrada de jogadores estrangeiros. A própria lógica de Commonwealth aplicada ao futebol inglês permitiu-lhe ter alguma sorte no processo. Isto além da paixão clubística permitir uma distribuição regional mais equitativa em termos de adeptos. Recordo-me bem do ambiente que se sentia quando assisti ao vivo a um Manchester United vs. Wimbledon, em agosto de 1994². Hoje, o futebol inglês capturou um espaço mediático global de difícil ultrapassagem, que está a ser imitado pelo futebol italiano. O espanhol, o alemão ou o francês não parecem ainda ter essa capacidade, apesar de gerarem muitas receitas dentro de portas e existirem alguns clubes óbvios que, por eles, têm vindo a ter sucesso internacional. Veja-se, por exemplo no relatório da Deloitte Football Money League 2020³ que nos 20 primeiros clubes em termos de receitas, 40% são clubes da Premier League.
4. Todos os que têm vindo a escrever sobre a necessidade ou a iminência de um ou mais investidores entrarem na SAD referem, imediatamente, os riscos de que quem venha possa não ter interesses alinhados com as razões que subjazem as suas opiniões. E que há que conseguir controlar ou garantir esse alinhamento. Mas como? Se as transações são livres, o que me garante que quem adquira tenha esses interesses alinhados ou que, mais tarde, não aliene as suas participações (ou inverta os seus interesses). E se, alegadamente, o modelo democrático do Sporting é tão mau, o que os faz crer que a decisão de se optar por este, ou aquele, investidor (se se chegar a ter essa oportunidade) não seja afetada por essa mesma histórica (alegada) incapacidade.
A realidade financeira da Sporting SAD teve um rude golpe no último jogo do campeonato da época de 2017/18 e o facto de não ter atingido o segundo lugar impediu a obtenção de uma receita estimada entre 20 e 30 milhões de euros na época 2018/19, ao mesmo tempo que os seus concorrentes diretos ganharam mais de 80 milhões de euros um e mais de 50 milhões, outro. Julgo que o foco em Portugal, no imediato, deverá passar por um pouco do que já se viu esta época, com um esforço maior das equipas portuguesas nas fases de apuramento e grupos, pois a qualidade global não nos falta e será do sucesso desportivo dos clubes que virá uma maior capacidade financeira, via competições europeias. E, além disso, reconheço na identificação de mais de três milhões de adeptos com o Clube uma força motriz que garante a criação de valor para o mesmo e que, apesar de nos faltarem títulos no futebol (sénior, masculino) mantém-se estável a adesão de cidadãos portugueses e estrangeiros ao Sporting Clube de Portugal que, claro, tem de continuar a ser trabalhada.
Gostaria de finalizar alertando para o facto de, atualmente, não me aperceber existir algum impedimento para que a Sporting SGPS aliene os mais de 37% que detém sobre a Sporting SAD e que a transformação obrigatória das VMOCs detidas pelos bancos Millennium BCP e Novo Banco irá originar que, quem detenha as mesmas, fique com mais de 66% do capital. É expectável que na reestruturação financeira que deverá estar a ser anunciada, o Sporting não aliene ou, de alguma forma onere ou dê como garantia essas VMOCs⁴. Se assim não for, a visão rapace dos Fundos que por aí proliferam, certamente não será condescendente a apelos emocionais de Sócios e Adeptos. Aguardemos. Mas por Amor ao Sporting, gostaria que parassem de falar da venda da SAD. Neste momento, e face ao que eu conhecia da realidade do Sporting, devíamos estar a discutir, isso sim, que o Clube voltasse a ser detentor de mais de 90% da SAD. E já agora, para garantir que não há algum lapso, e para começar, por que não promove a atual Direção do Sporting a aquisição da totalidade das ações que estão na posse da SGPS? Até porque a SGPS ainda deve mais de 60 milhões de euros ao Clube das ações adquiridas há largos anos, quando o Project Finance foi montado.
Notas:
1 - https://www.uefa.com/community/news/newsid=2064391.html
2 - Vitória do MUFC por 3-0 com golos de Eric Cantona, Brian McClair e Ryan Giggs
3 - https://www2.deloitte.com/uk/en/pages/sports-business-group/articles/deloitte-football-money-league.html
4 - Valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis em ações
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