TRÊS CABEÇAS…
Três sentenças diferentes a partir da mesma redação dos estatutos; quem contesta não é ‘maluquinho’, simplesmente não vende o futuro do Sporting a troco de um 1º lugar, para já, apenas provisório
Redação Leonino
Texto
15 de Dezembro 2020, 09:56

Pode a mesma redação ser interpretada, e executada, de três formas diferentes? Pode, se estivermos a falar da redacção dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal, nos pontos relacionados com a possibilidade de destituir Órgãos Sociais. E no entanto o texto é claro o suficiente para ter uma única interpretação (o Nuno Sousa (AQUI) e a Soraia Quarenta (AQUI) já explicaram esse ponto muito bem neste fórum, pelo que não necessito repeti-lo). Repare-se:

Em 2013, o então PMAG, Eduardo Barroso, recebeu do movimento ‘Dar Rumo ao Sporting’ o requerimento para agendar uma Assembleia Geral comum, com a finalidade de analisar e votar a destituição por justa causa dos membros do Conselho Diretivo liderado por Godinho Lopes. Os subscritores desse pedido totalizavam mais de mil votos, logo estava de acordo com o Artigo 51, ponto 1, alínea C. Teriam, depois, de depositar uma determinada quantia monetária na conta do Clube, antes da realização da AG e no início da mesma reunião magna teria de ser garantida a presença de 75 por cento dos subscritores do requerimento. Cumpridos esses preceitos, tudo estaria de acordo com os Estatutos. A partir daí a AG entraria dentro do estipulado pela alínea D do mesmo Ponto 1 do mesmo Artigo 51: “Votar a revogação com justa causa dos mandatos dos titulares dos Órgãos Sociais, nos termos dos presentes Estatutos’.

Eduardo Barroso apenas deu cumprimento ao que estava (e continua a estar) escrito nos Estatutos aprovados por mais de dois terços dos Sócios do Sporting, mas alguns entenderam que não havia justa causa para revogar o mandato de Godinho Lopes e interpuseram uma Providência Cautelar no Tribunal Cível de Lisboa, com a finalidade de travar essa AG. Ora, já nessa altura o Clube tinha Sócios que se julgavam acima dos demais, entre eles o falecido Miguel Galvão Teles, Dias da Cunha ou Menezes Rodrigues, vozes que defenderam a ilegalidade da ação de Eduardo Barroso. Se havia ou não justa causa, isso não cabia aos Sócios decidir, mas sim a eles, gente abençoada por um brilhantismo inalcançável aos comuns associados. Para o Conselho Diretivo de então, a convocatória da AG era algo que “viola claramente  que está estatutariamente definido” e João Pedro Varandas (irmão do atual presidente), elemento do CD, ia mais longe: “O CD tem a obrigação, à Luz dos estatutos, de zelar pelos interesses do Clube e não hesitará em usar todos os meios legais para que o normal funcionamento do Clube não seja perturbado”. Para este Varandas, tal AG causaria “danos irreparáveis ao Sporting” e colocava em causa a capacidade do Clube “em honrar os compromissos assumidos”.

Como respondeu o Tribunal Cível de Lisboa a esta providência cautelar? Recusou-a “liminarmente” por duas razões principais, segundo se podia ler no texto que suportou a decisão do juiz: não tinha sido encontrada qualquer violação estatutária na convocatória da AG; o juiz considerou que cabia aos Sócios apurar se existia, ou não, justa causa para a destituição dos membros do CD.

Godinho Lopes não quis submeter-se à votação dos Sócios e demitiu-se.

Duas pequenas notas laterais em relação a este episódio: face ao que se sabe agora, percebemos que se hoje ainda existe um Sporting Clube de Portugal pujante em termos desportivos e sociais, tal deve-se aos Sócios que em 2011 elegeram Eduardo Barroso como Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Caso o escolhido tivesse sido Rogério Alves (candidato derrotado), o requerimento feito pelos Sócios Miguel Paím e André Patrão para a convocatória da AG, que levaria à queda de Godinho Lopes, nunca teria sido aceite. É por isso que entendo ser Eduardo Barroso credor de um enorme agradecimento por parte de todos os que amam o Sporting e não apenas a sua equipa de futebol; também por isso será de inteira justiça que a história do Sporting reserve no seu ‘livro’ um lugar de destaque especial para Eduardo Barroso. A segunda nota prende-se com o enquadramento histórico daquele momento dramático de 2013, no qual o Sporting vendera em janeiro (com saída a ser efectivada em julho) o seu jogador mais valioso (van Wolfswinkel) para conseguir pagar os salários dos restantes futebolistas; lembrar que sem soluções de financiamento para dar cumprimento aos encargos assumidos, o Conselho Diretivo de Godinho Lopes, no qual se encontrava João Pedro Varandas a garantir “zelar pelos interesses do Clube” e “honrar os compromissos assumidos”, estava a ultimar toda a documentação para entregar um PER (Plano Especial de Revitalização) no Tribunal, o que desde logo inviabilizaria o “honrar dos compromissos” (quem entende como funciona um PER, sabe que assim é). Foi a falência total do modelo “roquettista”, com os seus defensores a tentar negar… o inegável. Mas esse modelo está de volta (já lá irei).

A segunda cabeça a decidir avançar para uma segunda Assembleia Geral destitutiva, também ela para revogar o mandato do Conselho Diretivo, foi o então PMAG Jaime Marta Soares, em maio de 2018. Ao contrário do que na altura se disse, ele nunca convocou essa AG a pedido dos Sócios, mas sim por iniciativa própria, tal como consagrado na Alínea A do Ponto 1 do Artigo 51º dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal. Tomou a decisão, anunciou-a a 24 de maio, ratificou-a com a convocatória oficial a 28 de maio e… a 30 de maio apresentou-se nas instalações do Clube argumentando que queria validar as assinaturas que suportavam um suposto requerimento de Sócios para a realização da AG que ele próprio já tinha convocado! Um perfeito aldrabão, secundado por uma perfeita aldrabona de nome Eduarda Proença de Carvalho, que daria continuidade a uma rábula que hoje desmente em absoluto a validade das decisões tomadas por Rogério Alves quando recusou em duas ocasiões o agendamento de AG’s destitutivas.

Vejamos: Marta Soares convocou uma AG para revogar por justa causa o mandato de um Presidente, mas não apresentou qualquer ‘nota de culpa’. A redação dessa nota de culpa foi elaborada semanas depois, já com a AG convocada. Como sei? Da mesma forma que todos sabem: lendo a nota de culpa que sustentava a ‘justa causa’ percebeu-se que uma grande parte da argumentação fez-se com episódios ocorridos em datas posteriores a 28 de maio. Foram factos ocorridos a 1 de junho, 4 de junho e 11 de junho, entre outras datas do mesmo mês. Boa parte da argumentação assentou igualmente na tentativa clara e inequívoca de culpar Bruno de Carvalho pela invasão à Academia, mas isso são outras contas… Na conclusão desta decisão: a causa, justa ou injusta, não interessava para nada, interessava era realizar a AG e depois os Sócios que decidissem se havia ou não justa causa. E decidiram.

Ora, se os Sócios consideraram isto legal, como aceitam depois que Rogério Alves recuse o primeiro requerimento para AG destitutiva pela razão de alguns dos factos contidos nesse mesmo requerimento terem ocorrido em data posterior à solicitação do agendamento da AG? Marta Soares pôde fazê-lo mas os Sócios não?

Se em 2013 um juiz foi bem claro ao concordar que, face aos Estatutos, só cabe aos Sócios do Sporting julgar da existência ou não de justa causa, como podem agora certos Sócios aceitarem que Rogério Alves chame a si o poder para fazer tamanho julgamento?

O mesmo Rogério Alves que em 2006, também como PMAG, conseguiu transformar um assunto que estatutariamente tinha de ser aprovado por dois terços, num assunto resolvido em votação de apenas 50 por cento mais um. Como? Eu explico. Na AG de 2006 em que se discutia e aprovava, ou não, a venda do património imobiliário não desportivo por 50 milhões de euros, os Sócios presentes recusaram o negócio em duas votações. Os dois terços de votos favoráveis nunca foram obtidos. Então, foi aceite um requerimento que pedia a aprovação para essa venda de património poder ser decidida em reunião do Conselho Leonino. Ora, a aceitação desse requerimento só carecia da aprovação de 50 por cento mais um voto. E foi aprovado! Dessa forma, fazendo tábua rasa dos Estatutos do Clube, Rogério Alves levou a decisão de venda de património para sede de Conselho Leonino e o negócio foi aprovado por… 42 conselheiros! Foi ilegal? Bom, os sócios aceitaram… Já estava, já estava…

Hoje, com a equipa de futebol a ocupar um 1º lugar provisório (faltam 24 jornadas para se saber se o mesmo passa ou não a definitivo), aqueles que só querem mesmo saber do futebol ignoram todos estes atropelos estatutários, assobiam para o lado quando os resultados do 1º trimestre do exercício 20/21 da SAD nos mostram que estamos em posição muito perigosa. São, enfim, aqueles que à primeira ocasião irão votar favoravelmente a venda da posição maioritária que o Clube ainda tem na SAD. Mas quero acreditar que estão em minoria. Quero acreditar que a larga maioria dos Sócios não voltará a deixar-se enganar pelos cantos da sereia. Uma vez bastou! E os 50 milhões que o Sporting recebeu pela venda do património resolveram alguma questão estrutural? Nada.

Quem contesta o que está a acontecer não pertence a nenhum grupo de ‘maluquinhos’, simplesmente não aceita vender o futuro do Clube a troco de um 1º lugar provisório, ou seja, recusa-se a fechar os olhos à realidade para viver nesse sonho da liderança da Liga; recusa-se a trocar a democracia pelo regime autoritário e déspota imposto por Rogério Alves e seus acompanhantes.

Porque o sonho do 1º lugar não pode esconder esta realidade: Passivo no final do exercício 17/18, 282M; passivo atual, 298M (+16M). Dívida financeira em 17/18, 111M; dívida financeira atual, 129M (+28M). Dívida a fornecedores em 17/18, 44M; dívida atual a fornecedores, 64,5M (+20,5M). Os indicadores económicos e financeiros da SAD têm vindo a degradar-se de forma acelerada, os custos com pessoal desceram cerca de 14 milhões entre 17/18 e o momento atual, mas a ‘folha salarial’ continua, tal como na época passada, nos 60 milhões, com as receitas a baixar na ordem dos 25/30M; tal como no tempo de Godinho Lopes, a SAD continua a necessitar de vender passes de jogadores para poder liquidar os salários e não para fazer baixar o passivo, como foi conseguido pela anterior administração. Ignorem todos estes sinais, continuem a viver no sonho do 1º lugar. Mas dos hipócritas que hoje se remetem ao silêncio ou só falam para tecer elogios, espero não ouvir uma palavra de acusação ao atual CD e à atual administração, quando num futuro cenário eleitoral se abordar a realidade desportiva e financeira do Sporting.

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