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JOGO A JOGO, PROCESSO A PROCESSO
Pugnar por continuar num jogo de egos e interesses não beneficia ninguém e, com isso, perde o futebol.
Imagem de destaque16 Mar 2021, 16:00

Esta semana, fomos duplamente surpreendidos pela decisão do TAD sobre o caso Palhinha. Refere-se duplamente porque já se tinha esquecido que esta decisão pudesse vir a sair (ainda para mais, tão rapidamente) e porque foi favorável ao Sporting, repondo assim, alguma confiança nas instituições jurídico-desportivas.

Daquilo que se conhece do acórdão, a decisão do TAD terá sido fundamentada especificamente naquilo que foi rejeitado pelo CD da FPF: as imagens televisivas e, mais que isso, o erro assumido pelo árbitro, seu autor.

Então porque é que para o CD da FPF não foi suficiente aquilo que bastou para o TAD? Porque, conforme já foi amplamente referido, o CD adotou a tese do “field of play doctrine” que não permite “anular” decisões tomadas em campo pelos árbitros, se os mesmos tiveram oportunidade de avaliar os lances em toda a sua extensão.

Em bom rigor, parece uma visão um pouco paternalista, na medida em que quase que diz ao próprio autor do erro que, independentemente da sua consciência de que errou, na verdade não o fez, porque no momento em que analisou a ocorrência, não tinha forma de saber melhor.

Ainda que tal doutrina tenha causado algum espanto por terras lusas, a verdade é que não é inédita e, até, é bem aceite no seio da FIFA e UEFA, conforme também já foi levado a conhecimento do público em geral.

Então, o que diferiu agora? O que foi diferente na análise foram exatamente os elementos objetivos que foram carreados e analisados no processo, por árbitros que não estão limitados por tal tese.

Assim, determinou o colégio arbitral que se existem imagens que comprovam a errónea amostragem do cartão e, se em cima disto, ainda se tem o próprio ato de contrição do autor do erro, não se pode (conforme também aqui já foi por demais insistido) permanecer num erro que sanciona uma entidade e um atleta, tendo a consciência de que as circunstâncias sancionatórias advêm de um erro cabal.

Deste modo, determinou o TAD, através da decisão do colégio arbitral composto para este caso, a procedência do recurso, dando razão ao Sporting e, em consequência, determinou a anulação da decisão disciplinar sancionatória recorrida, absolvendo da infração porque foi disciplinarmente sancionado com suspensão de um jogo e uma multa (trocado por miúdos, anula a decisão de manter o cartão amarelo ao Palhinha, que seria o 5º e que determinaria o cumprimento de um jogo de castigo por acumulação de amarelos, ficando assim o jogador com 4 cartões, sabendo que, quando levar o próximo cartão, terá de cumprir o castigo previsto para estas situações).

Parece claro, só que não… Momentos após a divulgação da decisão, a FPF anunciou que iria recorrer da mesma para o TCASul e, segundo as declarações que são conhecidas até à data, fundamentando a sua pretensão no facto de que o acórdão nem é claro, não se percebendo muito bem se está a anular o quinto cartão amarelo ou apenas o castigo ao jogador.

Ainda que não se possa concordar com tal dificuldade interpretativa, dado que é óbvio que a anulação de um (o cartão amarelo) implica a não aplicação do outro (suspensão de um jogo), a verdade é que tal não chegaria para intentar um recurso, havendo meios próprios para clarificação de uma decisão.

Assim, não obstante se entenda que é uma reação a quente de uma entidade que viu ser proferida uma decisão que lhe era desfavorável e o facto de ser tradição (ainda que não obrigatória) da FPF recorrer das decisões que não lhe são favoráveis, a verdade é que aqui tudo se resume ao “famoso” braço de ferro que também já foi alvo de referência neste espaço.

Isto porque, se realmente fosse uma questão de clarificação do sentido de decisão, a FPF tem ao seu dispor o mecanismo previsto no art. 47º, nº 1 al. c) da Lei do TAD: requerer o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos, no prazo de três dias após a decisão.

Deste modo, a tese de que o recurso se deve ao facto de que não se percebe a decisão não é admissível, por existir um meio próprio para essa dificuldade interpretativa.

Querer seguir para a frente com o recurso demonstra que a FPF não se conformou com a decisão (o que é legítimo, ninguém gosta de perder) e que manterá este pé de guerra com o Sporting, até às últimas instâncias.

Resta relembrar que, conforme também já aqui foi referido, a justiça desportiva geralmente não se coaduna com a justiça civil e, a maioria das vezes, perde a sua razão (especialmente quando a razão nunca esteve do seu lado, como no caso em concreto se verifica).

Sem prejuízo dos próximos desenvolvimentos, a verdade é que este ambiente de batalha constante não é benéfico para o futebol, distraindo toda a gente do que é essencial no mesmo: o jogo.

As instituições deveriam ter um papel mais ativo na proteção desse que é o escopo máximo por que todos (instituições e clubes), lutam e trabalham: o futebol. Pugnar por continuar num jogo de egos e interesses não beneficia ninguém e, com isso, perde o futebol.

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