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IN MEMORIAM
O Sportinguista hoje, e isso sentiu-se bem no final do jogo de sexta-feira, que tive a oportunidade de assistir in loco, sente um misto de acomodação e de pânico.
Imagem de destaque21 Jan 2020, 08:45

A partir do momento em que o João Duarte me convidou para assinar uma coluna no Leonino que assumi essa responsabilidade e procurei identificar um conjunto de questões que pudessem promover uma apresentação da minha visão e suscitar algum debate com os leitores. Em primeiro, e julgo que isso será consensual, este projeto está de parabéns. Há espaço para o mesmo no panorama nacional e internacional e para muitos outros projetos como este. O Leonino, de uma forma regulada, como órgão de comunicação social que é, tem um conjunto de obrigações, para lá das que se autoimpõe e com as quais me identifico e me permitiram aceitar de bom grado este desafio a que espero que consiga corresponder. Realço no estatuto editorial do Leonino as frases que incluem palavras como “exigência”, “rigor”, “democracia”, “liberdade”, “pluralismo” e “ética”. Pois, vamos a isto.

Não me vejo, de facto, a discutir as incidências do jogo jogado, embora também aí possa chegar, mas quero aproveitar este espaço, enquanto interessar aos Sportinguistas, para pensar o Sporting Clube de Portugal, o Desporto, as Competições e, com isto, a realidade social com que nos defrontamos em Portugal, procurando, com todos os interessados, identificar o que realmente está bem ou mal, e como podemos ser fator de intervenção na sociedade civil e desportiva, a bem dos ideais que construíram e deram o substrato ao nosso Clube.

O título do presente artigo é a meu ver triste q.b. para perceberem, escrevendo eu depois do jogo de futebol da passada sexta-feira, o meu estado de alma. Pelo jogo, pelas incidências e pelos resultados. Mas já pensara utilizar este título antes, pois enquanto elencava um conjunto de ideias para escrever a cada semana (volto a dizer e espero que acreditem, que não é fácil se, de facto, queremos fazer um trabalho sério) tomei conhecimento no passado dia 12 do falecimento do filósofo inglês Roger Scruton, nascido em 1944. Quando ouvi a notícia lembrei-me e fui recuperar um livro que li por volta de 2012 – “As vantagens do pessimismo e o perigo da falsa esperança”. Fui reler a obra, editada em Portugal pela Quetzal, já que me recordava de importantes analogias à realidade atual. Roger Scruton é uma personalidade ligada ao Partido Conservador no Reino Unido. E essa importante faceta faz-me ir às origens do Sporting. Um clube nascido num seio aristocrático, que evoluiu para uma organização de âmbito nacional e transversal em todas as classes sociais. Um clube com adeptos que se orgulham desses tempos e que sorriem (ou riem mesmo) das tentativas pífias dos outros, feitas através da adulteração das suas datas de constituição, tentando ocultar o papel financeiro, patrimonial e desportivo, importante, que os Sportinguistas do início do século XX tiveram para a sua criação e desenvolvimento. Mas enfim. Ligando ao texto do “Pessimismo”, Scruton afirma logo no início que “não tem dúvidas que a esperança, desligada da fé e sem ser mitigada pela evidência da História, é uma coisa perigosa e que ameaça não só os que abraçam, mas também todos os que estão ao alcance das suas ilusões”. Esperança, porque nós Sportinguistas habituámo-nos a dizer que o nosso verde é de esperança feito. Que não sendo campeões este ano, para o ano isso ocorrerá. Tem de acontecer. Pois é dessas ilusões, vendidas por incapazes e pantomineiros que muitas vezes, a horda segue, cegamente e, numa visão historicista que o filósofo inglês identifica, provocam as ilusões que tanta desgraça têm trazido ao Mundo. Por isso, o pessimismo esclarecido “é a voz da sabedoria num mundo de ruído. E exatamente por esta razão, ninguém a ouve.”

O Sportinguista hoje, e isso sentiu-se bem no final do jogo de sexta-feira, que tive a oportunidade de assistir in loco, sente um misto de acomodação e de pânico, pois tem vivido momentos de engano e ilusão, votando naqueles não em que acredita, mas em que quer ou tem de acreditar. Seja porque tenham uma voz ponderosa, seja porque sentiram, algures no tempo, o cheiro do balneário.

Como já devem os leitores ter percebido, consigo rever-me no que Scruton escreveu há cerca de dez anos (e aconselho todos a ler este livro que aqui cito parcialmente). Tenho tido a oportunidade e até a necessidade de compreender toda a minha vida feita de Sporting, desde 2011 até hoje. E revejo-me em algo que considero importante: apesar da falta de campeonatos de futebol ganhos, o Sporting é grande, enorme. As diversas sondagens mais ou menos recentes situam-nos num patamar entre os dois milhões e meio e os três milhões de adeptos só em Portugal. E, neste mar de gente, é óbvio e expectável que haja divergências formais e até antagonismos mais aguerridos. Que ninguém espere a desejada união, porque a aparente união dos outros resulta da óbvia ressaca de vitórias e do concomitante impacto que se tem nos Média e na opinião publicada. Digo aparente, pois, a união dos outros é falsa e resulta de um ato tribal de satisfação que, acredito, terá, a prazo uma inversão, que ocorrerá por dentro das suas estruturas, que neste momento se podem considerar totalitárias. Ora se todos os regimes totalitários acabam por se esboroar, os que estão ao nosso lado também caducarão, pela própria entropia dos seus elementos. Chamo entropia, neste caso, à perceção clara que, apesar do, ou por causa do ruído, os adeptos deste regime não estão orgulhosos dos seus feitos. E isso reflete-se, a contrário, pelo desproporcionado insucesso a nível europeu, para o qual responsabilizam maldições de almas passadas. Quem mais?

E qual o nosso papel nisto tudo? Fernando Tavares Pereira já o disse na sua crónica primeira no Leonino: “o Sporting Clube de Portugal deveria estar representado em todos os órgãos nacionais e internacionais do desporto, para que possa contribuir para a isenção e transparência dos mesmos, e para que haja tratamento igual para todos os clubes”. E é isto.

Quanto ao livro de Scruton (a sério, têm de o ler!), quase no fim, e teorizando sobre as formas de sustentar a continuada ilusão, combatendo quaisquer dúvidas que os seguidores e crentes tenham quanto ao caminho a seguir (mal!) identifica duas interessantes: a culpa transferida (o que acontece de mal é culpa dos outros) e a criação de bodes expiatórios (quando o “ilusionista” está prestes a ser desmascarado, entrega-se como vítima de sacrifício, alegando que os críticos são inimigos internos). E isto só se resolve com sentido de responsabilidade, verdade, transparência e também com uma aceitação das críticas e das opiniões. E isso dá muito trabalho, senhor doutor.

Desculpem se me alonguei. A partir daqui é sempre a melhorar.

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