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A ACADEMIA COMO INSTRUMENTO FINANCEIRO
Mais do que um custo, é uma ferramenta de dupla função, que nos permitiu, em todas as situações de crise, reduzir custos, ter competitividade e, em muitos casos, realizar avultadas transferências.
Imagem de destaque16 Abr 2020, 11:00

É tempo de algum conservadorismo, relativamente aos tempos vindouros. No caso do futebol, ainda há competições que não têm vencedores, nem se sabe se os terão por “decreto” ou pela insistência na ideia de jogar o que falta delas.

A incerteza é grande, pois o impacto económico do COVID 19 adivinha-se forte, mas ainda sem certeza de como tal se distribuirá. De forma mais óbvia, adivinham-se constrangimentos financeiros de curto prazo, decorrentes da suspensão das competições. Mesmo essa percepção é, ainda, imbuída de um cariz especulativo acentuado que chega a ser incoerente. Ao mesmo tempo que, por essa Europa fora, se fala em cortes nos salários dos jogadores, nos jornais portugueses fala-se em saídas de atletas para fazer face aos problemas económicos causados pelo COVID 19. Mas se os grandes clubes europeus estão a negociar cortes nos salários, como é que se pode pensar que estarão disponíveis para pagar milhões por atletas inscritos na competição portuguesa?

É óbvio para toda a gente que o futebol português tem uma fibra económica bastante frágil, que muito depende dos resultados de transferir jogadores. As competições nacionais são parcas em prémios monetários, as receitas de bilheteira deixaram, há já longos anos, de ter um peso maioritário no custeio dos orçamentos e os contratos de patrocínio acabam por se ajustar à nossa escala económica, bastante mais reduzida do que, por exemplo, a do país vizinho. Nem sequer a nossa liga desperta o apelo dos asiáticos por aquilo que, por cá, se vai passando. Restam as receitas da UEFA, apenas ao alcance de uma elite muito reduzida de clubes, e o mercado de transferências.

Da descrição que acabei de fazer, também me parece clara a ideia de que todos os clubes, sem excepção, vivem acima das respectivas possibilidades, em que as receitas ordinárias são manifestamente insuficientes para equilibrar as contas.

Há algumas décadas, em França, muitos clubes foram obrigados a ter centros de formação para jovens futebolistas. Pretendiam os responsáveis franceses potenciar o interesse no futebolista nado e/ou criado em território gaulês, pelo que obrigaram os clubes a investir seriamente na qualificação de recursos humanos. Mas a estratégia não passava apenas por aí. Para dar sentido a tal determinação, foi criado um regime de inscrições que permitia/obrigava a que os atletas formados localmente tivessem reais oportunidades de jogar na primeira equipa. Nomeadamente, criou-se um restritivo regulamento que limitava o número de jogadores inscritos de acordo com a realidade prática que se pretendia alcançar. Alguns dirão que cá também existe limite ao número de atletas que um clube pode inscrever no seu plantel principal e que também existe previsão que pretende englobar os jogadores jovens da formação, no que concerne às mesmas regras de inscrição. Porém, de nada adianta deixar inscrever 30 atletas formados no clube se, ao mesmo tempo, o limite imposto, para os atletas não formados na instituição, for de, digamos, 35 jogadores. Seria mais razoável limitar o número de inscrições a, por exemplo, 20 atletas, podendo os clubes inscrever livremente e, até, sem limites quaisquer jogadores formados localmente. Inevitavelmente, com o decurso da competição, os castigos e as lesões haveriam de abrir caminho à utilização por parte dos mais jovens. Isto teria, necessariamente, uma dupla função: dar sentido ao investimento na formação e racionalizar os custos que um plantel implica.

No caso do Sporting, muito se tem escrito sobre a formação, de forma pejorativa. A meu ver, mal. O problema do Sporting não tem sido ter défice de qualidade na sua formação, em minha modesta opinião. O Sporting, a certa altura do caminho, tomou opções diferentes, até por haver mais dinheiro disponível. É certo que não houve um completo abandono do jogador formado internamente, mas começou a ir-se com mais frequência ao mercado e o espaço, para integrar jovens atletas na primeira equipa, reduziu-se.

Trazendo melhores jogadores, por contraditório que possa parecer, ajuda a formação porque isso melhora o processo de integração de jovens jogadores, retirando-lhes a responsabilidade. O que não é viável é ter 25 jogadores feitos e querer integrar 5 jovens da formação. Isso não!

É certo que, em França, os regulamentos mudaram e estão mais próximos do que acontece na generalidade da Europa. Mas o Sporting, até por ter uma estrutura de formação que tem que ser rentabilizada, deveria olhar para este exemplo e aplicá-lo, voluntariamente, no seu processo de construção de plantel. Este deveria ser pouco extenso, permitindo integrar os jovens atletas aqui formados. Na verdade, no decurso de uma temporada, é pouco provável que o Sporting faça uma utilização intensiva de todos os elementos do plantel, pelo que alguns deles apenas serão uma ineficaz aplicação de recursos financeiros, que podiam ser direccionados para a captação de atletas de melhor qualidade, que seriam muitíssimo mais utilizados.

É certo que, no caso do Sporting, a aposta na formação sempre se associou a tempos de parca disponibilidade financeira – sempre que houve mais dinheiro disponível, fez-se uso da disponibilidade do mercado de transferências – mas até isso demonstra que a Academia, mais do que um custo, é uma ferramenta de dupla função (desportiva e financeira), que nos permitiu, em todas as situações de crise, reduzir custos, ter competitividade e, em muitos casos, realizar avultadas transferências.

Só nos falta racionalizar a importância da Academia e a sua convivência com as potencialidades que o mercado de transferências nos vai apresentando.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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