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OS TEMAS DA MODA
Mais do que vivenciar um trauma (e este Clube é pródigo em traumas), é preciso aprender com as diferentes situações em que se podia ter agido de outra forma, com benefício do Sporting.
Imagem de destaque30 Abr 2020, 15:00

O tempo de crise (financeira e desportiva), como é habitual no nosso Clube, leva a que ressurja o tema da formação, enquanto tábua de salvação. Não deixa de ser curioso o estatuto que  a formação granjeia, entre os sportinguistas, consoante os tempos sejam de feição, em que a formação, além de esquecida, é alvo de apreciações negativas, ou de crise, em que a formação é tratada como se fosse a “galinha dos ovos de ouro”.

Confesso-me um entusiasta do trabalho que se faz na formação. Não vejo, no entanto, a formação como uma ferramenta circunstancial, em que a sua utilização, do ponto de vista estratégico, tem sido errática e quase como um oásis, sempre que as coisas se aprestam a correr mal.

Do ponto de vista do que foi a vida do Clube nos últimos 30 anos, é constatável que os melhores momentos desportivos, no futebol, estão associados a decisões de bom senso que, com frequência, levaram a olhar para os recursos humanos disponibilizados pelo trabalho feito na formação.

Mas não basta que os nossos formadores trabalhem bem. É, também, necessário que exista uma estratégia de aproveitamento dos atletas “made in house”. O caso mais paradigmático de todos leva-nos a recuar mais do que 30 anos. Paulo Futre é um exemplo do desperdício de recursos disponibilizados pela formação. E é paradigmático porque, para além do evidente erro de avaliação sobre o potencial desportivo do atleta, por parte dos responsáveis de então, este caso comporta um juízo depreciativo sobre os jovens formados no clube, no tocante a reivindicações salariais. É conhecida a história, pelo que me vou escusar de rebuscar todos os detalhes da mesma, ficando apenas a ideia de que Paulo Futre deixou de ser o mais mal pago do plantel do Sporting, para passar a ser o mais bem pago do FC Porto e, posteriormente, fez parte de um grupo que foi campeão da Europa de clubes.

Outro caso exemplar de como não se deve tratar um jovem da nossa formação, foi o de Luís Figo. Também ele mal pago, numa fase em que era já um dos dois melhores jogadores do plantel, internacional português e peça insubstituível do nosso futebol, se tivermos por referência os demais elementos do plantel. Ainda hoje, Luís Figo é referenciado, por muitos sportinguistas, em termos pejorativos. Porém, não se pode olvidar que era o atleta mais mal pago, quando já era dos melhores, nunca tendo o Clube a iniciativa de negociar, em tempo oportuno, uma renovação contratual que reflectisse a importância desportiva do atleta. Também ele, depois de abandonar o clube, jogou em clubes de maiores ambições desportivas, ganhando os mais importantes títulos europeus, a nível de clubes, e tendo sido considerado o melhor jogador do Mundo.

Há que compreender que um jogador da formação tem as mesmas ambições de todos os outros que são recrutados fora. Querem as melhores condições salariais que seja possível obter e querem ganhar títulos. Um “miúdo” da formação não é diferente dos demais. Acresce que a Academia tem uma reputação assente em duas Bolas de Ouro, pelo que sempre será vista como um viveiro apetecível para os empresários, que vão recrutando atletas desde idades cada vez mais precoces.

No último mandato, os mais importantes jogadores da nossa formação tinham já contratos de valores muitíssimo consideráveis. Não se pode dizer que tenham sido tratados da mesma forma que os dois exemplos que dei. Mas não basta pagar bem. É preciso que o pagar bem tenha reflexo na realidade do plantel. Esses atletas, que foram campeões europeus em 2016, por Portugal, viram a sua folha salarial secundarizar-se perante contratações de atletas estrangeiros que, sendo de valia considerável, não eram campeões europeus. Estamos a falar de atletas portugueses que tinham sondagens e que lhes teriam acenado com valores consideravelmente mais altos do que os auferidos no Sporting.

Eu creio que é mais fácil (partindo do princípio que é possível) convencer um atleta a resistir ao apelo dos euros, quando lhe é explicado que está receber tanto quanto o clube pode pagar. Mas esse argumento cai pela base quando chegam novos elementos, com menor currículo, que vêm ganhar bastante mais dinheiro.

Mais do que vivenciar um trauma (e este Clube é pródigo em traumas), é preciso aprender com as diferentes situações em que se podia ter agido de outra forma, com benefício do Sporting.

O outro tema recorrente, quando as dificuldades apertam, é o da prospeção (ou scouting). Também aqui temos exemplos de abordagens díspares, com resultados variados. No mandato anterior, inicialmente, a prospecção centrou-se em encontrar elementos com potencial de valorização desportiva, por valores acessíveis à nossa bolsa. Posteriormente, numa altura em que o Clube, por força de um rigoroso modelo de gestão de encargos, conseguiu ter maior folga financeira, os alvos potenciais passaram a estar definidos em termos diferentes. Nesta segunda fase, chegaram ao clube, a título de exemplo, Coates, Mathieu, Piccini, Bruno Fernandes, Bas Dost, Acuña, etc.

Creio que atacar o mercado, tendo em vista atletas de valor consolidado, sendo mais caro na aquisição, é de menor risco de rendimento desportivo. Por outro lado, se preferirmos a primeira abordagem, a mesma não deveria ser cega e deveria visar atletas para posições em que a nossa formação é deficitária (por exemplo, historicamente é difícil formar pontas de lança).

Se à busca de “diamantes por lapidar” é mais fortemente necessário um profundo trabalho de scouting, quando os objectivos se centram em patamares de desenvolvimento mais evoluídos, o scouting é relativamente fácil de ser feito. Não era preciso ser-se um grande conhecedor dos mercados mais longínquos para reconhecer o potencial de Bas Dost, de Mathieu ou de Bruno Fernandes, qualquer deles já perfeitamente conhecido. É óbvio que existe sempre o risco inerente ao negócio (uma lesão, uma personalidade menos profissional, etc.). Mas é, concerteza, mais fácil de acertar no alvo. Também temos o caso de Coates, atleta outrora muitíssimo promissor que acabou por fazer uma carreira mais modesta, num campeonato de primeira linha, mas que encontrou em Portugal um clube e uma competição de acordo com as suas características. Este exemplo tem antecedentes, com a contratação de Izmailov. O modelo de negócio era perfeito, do ponto de vista dos custos e do risco. Em qualquer caso, estamos a falar de atletas com uma atitude séria para com a profissão, ao contrário do sucedido com Jesé, antes que alguém me queira dizer que o espanhol se enquadra no mesmo princípio de abordagem (para além dos conhecidos actos extra futebol, ainda se lhe associa um chorudo salário, muito além do que é razoável pagar por um atleta com rendimento desportivo nulo, nos últimos dois ou três anos).

No entanto, quer a formação, quer o scouting, servem o mesmo propósito: dotar o Sporting de melhores jogadores e, por inerência, de melhores condições competitivas e potencial de realização de mais valias, no futuro. Sendo qualquer uma das abordagens legítima (os resultados das opções acabam por as validar ou não), não deixa de ser elementar juntar-lhe o bom senso das decisões tomadas. No fundo, o Sporting deve formar e procurar o tipo de atleta de que precisa para o seu plantel principal, seguindo uma linha estratégica que vise competitiva imediata, ao mesmo tempo que vai alimentando o plantel com elementos que assegurem essa mesma ambição, na eventualidade de algum elemento nuclear sair. Sempre que o mercado nos apresente uma oportunidade vantajosa, de contratar alguém de inegável valor por um preço que possamos pagar, deveremos enriquecer o nosso plantel e potenciar os elementos jovens, que dele façam parte, porque apostar na formação não é incompatível com a contratação de atletas experientes e de qualidade. Pelo contrário, formação e mercado devem ser complementares, não tendo o foco que estar maioritariamente num lado ou no outro, mas sim em equilibrar o peso de cada uma dessas valências, na busca do melhor equilíbrio custo/qualidade no reforço da nossa competitividade.

Idealmente, o Sporting de 2015/16 deveria ser reforçado com Bruno Fernandes, Acuña e Mathieu. Naquele momento, foi necessário vender João Mário e Slimani por valores históricos, com o objectivo de alavancar as vertentes financeira e desportiva. Mas caminhava-se para o ponto em que o Sporting não teria que vender para contratar, por contratar. Estávamos perto do momento em que o Sporting podia vender por bom dinheiro ou decidir não vender, conseguindo, ainda assim, reforçar o seu potencial desportivo.

Infelizmente, estamos hoje longe desse momento. Perderam-se anos decisivos, que levarão tempo até se poderem vivenciar. E esse tempo está intimamente ligado ao bom senso que seja possível pôr nas decisões tomadas para o futebol.

A ideia que quero passar é que a formação e o scouting não são matérias de circunstância. São questões estratégicas de gestão desportiva. São ferramentas ao dispôr dos nossos gestores, que devem ser usadas em função da qualidade/vantagem que tragam ao futebol jogado.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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