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A PRÓXIMA ÉPOCA COM VISTA PARA O PASSADO
Na mesma senda de Salgado Zenha, André Bernardo faz declarações que são contrariadas pelos relatórios financeiros oficiais. Isto deixa-me deveras preocupado quanto à boa-fé de quem nos dirige.
Imagem de destaque21 Ago 2020, 11:36

André Bernardo deu a cara por aquilo que é expectável para a próxima época, num artigo editorial.

Confesso que me alarmei com o título escolhido aqui pelo “Leonino”, que referia que o objectivo passava apenas por melhorar o quarto lugar. É certo que não é definido nenhum objectivo concreto (ser primeiro, segundo ou terceiro) mas dizer-se que se quer sempre melhorar o que foi feito, não me parece ser uma expressão negativa, nem desprovida de ambição.

Porém, o teor dos parágrafos seguintes, mantiveram o estado de preocupação em que vivo, desde há largos meses.

Continua-se a bater na tecla de Alcochete e eu continuo à espera que alguém explique, euro por euro, em que medida é que Alcochete ainda pesa na política desportiva do Sporting. Lembro que o Sporting, no pós-Alcochete, teve orçamentos da mesma ordem de grandeza que o muito adjectivado “all in”, pré-Alcochete. Ou seja, quer a comissão de gestão, quer a actual direcção manifestaram o mesmo sentido despesista, de que acusaram a equipa destituída, tendo-o até agravado. Portanto, se eu não esperava ter um jogador do nível do William Carvalho para a sua posição, esperava que o seu vencimento representasse uma poupança salarial. Vale o mesmo para os casos do Gelson Martins e do Rui Patrício. Aliás, os vencimentos destes 3 atletas e do treinador Jorge Jesus, representavam em si uma redução da massa salarial ao redor dos 13,5M€. Mas essa redução não teve tradução nas contas apresentadas. Portanto, se me querem dizer que saíram jogadores de enorme qualidade, que é verdade, eu esperava que, pelo mesmo custo, tivessem vindo jogadores de qualidade adequada (já não estou a falar em qualidade igual). Acresce que o Sporting celebrou acordos com os clubes destinatários destes 3 atletas, tendo recebido verbas consideráveis por tais atletas, mesmo que não tivesse recebido aquilo que podia ter feito, caso não estivesse numa posição de fragilidade negocial. Lembro, no entanto, que nenhum desses casos representou uma verba inferior aos custos de aquisição de cada um deles, ao contrário do sucedido com Bas Dost, por exemplo.

Refere também que o Sporting gastou 31,3M€ em contratações, nas últimas 3 janelas de transferência. Mas há aqui qualquer coisa que, se calhar, carecia de uma explicação.

É que o próprio Relatório e Contas Anual referente à época desportiva 18/19 refere, na sua página 11, que “(…) de Setembro de 2018 a Junho de 2019, o investimento no plantel ascendeu a 33,2 milhões de euros(…)”, detalhando todos os custos operacionais num quadro anexo, onde não constam Sporar, nem Jesé, nem Bolasie, nem Fernando. Ou seja, em apenas 2 janelas de transferências, o Sporting tinha assumido encargos superiores aos agora declarados por André Bernardo para os 3 períodos de transferências.

Portanto, os custos de aquisição de atletas, nas 3 janelas de transferêncas são superiores aos mencionados por André Bernardo. Quero eu dizer que esses custos superam os 40M€ e que o rendimento desportivo desses atletas, na sua globalidade, esteve muito longe de justificar essa ordem de valores de investimento. Gastou-se muito para tão parco rendimento no campo e isso não é culpa de Alcochete mas sim de quem tomou a decisão de pagar aqueles valores por aqueles atletas. Se quisermos falar dos encargos com os despedimentos de treinadores, com a contratação de Ruben Amorim e com o negócio Wang, então, os encargos assumidos superam largamente os 50M€.

No mesmo relatório, na mesma página 11, é dito que o Sporting recebeu 227M€, dos quais 81,7M€ correspondem a receitas operacionais, 55M€ provêm de transacções de jogadores e 90,3M€  provenientes de empréstimos obrigacionista e de operação de titularização de direitos (que presumo que sejam os referentes à receitas televisivas). Ou seja, a dramatização das responsabilidades de 225M€ estão ali explicadas como foram resolvidas e chegamos à conclusão que tal foi possível com recursos próprios da SAD em mais de 85% das necessidades (receitas ordinárias, vendas de passes de atletas e crédito com base no contrato de direitos televisivos e de imagem). Apenas o empréstimo obrigacionista foi resolvido com recurso a outro expediente da mesma natureza.

Desde Alcochete, o Sporting realizou transferências de montante superior a 190M€ (em 18/19, apesar dos 227M€ de responsabilidades terem tido uma contribuição de 55M€ provenientes dos recebimentos de transferências, a SAD declarou 75M€ de vendas) . Estamos a falar, naturalmente, de receitas extraordinárias. De que forma é que esta quantia serviu para reforçar as finanças do clube, tendo em conta que os encargos anuais assumidos, de lá para cá, não estão particularmente desfasados daquilo que são as receitas ordinárias da SAD?

Para além de Alcochete, André Bernardo puxou do argumento da COVID19, como justificação para o resultados desportivos desta última temporada. Confesso que não há escala que sirva para medir a dimensão da minha perplexidade. Que a COVID19 tenha efeitos sérios nas finanças do clube, não tenho dúvidas, embora mantenha a expectativa de ver futuramente essa demonstração, até de forma comparada com as épocas anteriores. Isto foi já sugerido por Carlos Vieira em artigo assinado aqui no Leonino. Agora, justificar resultados desportivos com a COVID19 – num período em que o Sporting até contratou um treinador por valores de referência à escala mundial, em que não teve nenhum atleta afectado pela maleita -, fazendo de conta que não existiu um absoluto falhanço na construção do plantel (a todos os níveis, desde o desportivo ao financeiro), é de muito mau gosto ou apenas de uma extrema ignorância sobre o que se diz. Acrescento que a COVID19 em nada interferiu na construção do plantel, nesse período, uma vez que a janela de transferência se encerrou em 31 de Janeiro, muito antes de haver qualquer crise pandémica.

Nota positiva para o anúncio da redução da massa salarial para a próxima época. Mas a nota podia ter um efeito positivo mais extenso. Se é certo que reduzir 18M€ na massa salarial, com referência a Setembro de 2018, é positivo, tal efeito podia ter sido produzido no início desta última temporada. Pegando nos contratos de Jorge Jesus, Gelson Martins, William Carvalho e Rui Patrício, cuja poupança se cifrou nos 13M€, acrescendo-lhe o que era pago a Mathieu, deveremos andar pelos 15 ou 16M€ de redução de massa salarial. Isto demonstra que, se tivesse havido essa vontade no tempo devido, tinha sido perfeitamente possível fazer essa redução sem grande dificuldade. Mesmo que, nesse caso, a responsabilidade por tais decisões não seja desta administração, já que a Comissão de Gestão optou por não reduzir os encargos com o pessoal.

Ainda assim, tal redução não podia nunca justificar que o Braga nos tivesse superado na Liga, por força da ainda assim gigantesca diferença de orçamentos. Do meu ponto de vista, o Sporting deveria estar agora numa posição de ter uma política de investimento medianamente expansionista, se as necessárias medidas de reconstrução tivessem sido tomadas logo que houve oportunidade para isso. Esta administração assumiu esse desiderato logo na primeira janela de transferências, de forma polémica se considerarmos as implicações qualitativas das alterações. Porém, quando se esperava que essa intenção fosse mais firme no Verão, altura em que a administração da SAD já não estaria sob a condicionante de ter herdado uma época preparada pela Comissão de Gestão, assistimos a uma aplicação bastante reduzida desse princípio. Do meu ponto de vista, a qualidade actual do plantel não tem tradução nos custos assumidos, pelo que seria de esperar, para este nível de rendimento, uma massa salarial fortemente reduzida. E essa redução daria corpo e sentido a algumas justificações apresentadas pelo presidente, em várias ocasiões, demonstrando, pelo menos, coerência entre o discurso a as acções praticadas. Ao invés, assistimos a um orçamento do nível das 2 épocas anteriores mas com uma perda de qualidade consistente. E se digo que deveriamos estar agora numa posição de atacar o mercado de forma mais ambiciosa, digo-o porque uma forte redução no início desta época permtiria ter uma um resultado positivo de exploração bastante apreciável, que seria reforçado pelas receitas provenientes de transferências. Os custos do Sporting estariam estuturalmente capacitados e a tesouraria deveria estar aforrada com o dinheiro das receitas extraordinárias, mesmo que deduzindo as verbas destinadas aos bancos (que ao invés do que se diz não é uma coisa má, mas antes um normal cumprimento das obrigações da SAD de pagar as suas dívidas).

Basicamente, a tal redução da ordem dos 18M€ de massa salarial deveria ter ocorrido no Verão de 2019 (até de forma mais significativa, de preferência) e o facto de se anunciar que teremos 9 jogadores de idade inferior a 21 anos no plantel deveria até traduzir uma massa salarial inferior aos 50M€. Se pensarmos num plantel de 25 atletas, com um custo médio de 2M€/ano, estamos a falar de uma massa salarial de 50M€/ano. Ora, todos sabemos que os rapazes com menos de 21 anos não vão ganhar 2M€ por ano. Nem sequer metade ou até um quarto disso. Isso significa que esta configuração, para uma massa salarial de 50M€ deixaria margem para ter alguns salários acima da média a que deveria corresponder qualidade de igual proporção. Ou seja, à redução salarial não deve corresponder um baixar de expectativas, nem muito fundamentalmente de responsabilidades.

Na mesma senda de Salgado Zenha, André Bernardo faz declarações que são contrariadas pelos relatórios financeiros oficiais. Isto deixa-me deveras preocupado quanto à boa-fé de quem nos dirige. Se não é uma questão de boa-fé, a gravidade é de igual dimensão, pois que a alternativa a esta apreciação só pode corresponder a falta de capacidade e/ou de conhecimento sobre as matérias que lhes estão confiadas.

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