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VALE A PENA PENSAR NISTO
O primeiro, conjugado com o segundo, revelam a chico-espertice já referida: o Sporting reconhece a dívida, tenciona pagá-la, até tinha liquidez para o fazer, mas, por uma questão de gestão, não o fez.
Imagem de destaque18 Abr 2020, 09:00

Nunca nada está tão mau que não possa piorar. O facto de a família leonina ter acordado na quinta-feira para a triste realidade de o Clube não ter honrado o seu compromisso, em relação à primeira prestação dos 10 milhões acordados com o Sp. Braga pela contratação de Rúben Amorim, foi-se revelando um pesadelo ainda maior com o desenrolar dos acontecimentos.

Naturalmente, quem continua – legitimamente, porque a liberdade de opinião não deve ser limitada se não promover preconceitos de quaisquer espécie – a patrocinar este estado lamentável de gestão assente em expedientes típicos de chico-esperto, arranja sempre argumentos que possam eventualmente justificar acções que aos olhos do senso-comum não têm qualquer cabimento. Refiro-me ao já propalado artigo 437.º do Código Civil sobre a alteração das circunstâncias que mediaram o acordo entre os dois emblemas.

A exposição ao ridículo agravou-se com as explicações do responsável pela área financeira sobre o episódio, bem como pelas ‘gordas’ difundidas pela imprensa. O primeiro, conjugado com o segundo, revelam a chico-espertice já referida: o Sporting reconhece a dívida, tenciona pagá-la, até tinha liquidez para o fazer – ainda bem que os devedores do Clube não pensam de igual forma –, mas por uma questão de gestão, não o fez. Deixou passar o primeiro prazo acordado, sem que houvesse ainda um Estado de Emergência que o justificasse, deixou passar o segundo e arrisca-se a, em tribunal, não sendo reconhecida a razão aos leões, pagar ainda mais 1,3 milhões de euros. Aliás, parece tornar-se recorrente a desculpabilização da incompetência que grassa no 3.º piso de Alvalade com factores externos, ora de uma herança pesada – que só gente de má-fé advoga –, ora agora com a incerteza inerente à pandemia que assola o Mundo. Quando não é o passado, é o futuro que atrapalha uma gestão onde o rei parece ir nu e se aponta o dedo a quem o denuncia.

Isto tudo com o beneplácito de uma Mesa da Assembleia Geral conivente, unânime em considerar que os Sócios não precisam de se pronunciar sobre o assunto. No entanto, nada disto pode constituir qualquer surpresa. No dia 27 de Abril de 2018, na sua habitual crónica no jornal A Bola, Rogério Alves, tecia rasgados elogios ao seu amigo, como “médico competentíssimo” – que não se duvida – e igualmente “sportinguista dos pés à cabeça, que vive e vibra com o clube”. Como esperar do Presidente da Mesa da Assembleia Geral (PMAG) do Sporting que aja contra o seu amigo, se o superior interesse do Clube estiver ameaçado? E, não, não é o PMAG que define esse mesmo superior interesse e, sim, os seus Sócios.

Nessa mesma crónica, Rogério Alves tem outra pérola visionária, quando o triste episódio do ataque à Academia só decorreria três semanas depois. “Não me canso de louvar o profissionalismo dos nossos atletas, superiormente capitaneados por Rui Patrício e William Carvalho, dois símbolos que, aconteça o que acontecer, terão sempre lugar cativo no quadro de honra da nossa história”. Aconteça o que acontecer. Daquelas expressões que se utiliza quando se acredita que os valores pelos quais os visados se regem não desmoronam nas mais difíceis tempestades. Apesar de se ter chegado a acordo com os dois “símbolos”, após a rescisão unilateral do contrato, ficou à vista de todos o prejuízo causado ao Clube, e não ao então presidente, depois de ambos terem estado toda a vida ligados ao Sporting. Em qualquer um dos casos, mais de duas décadas.

Talvez um dos problemas do nosso Clube seja mesmo esse: as amizades, que nem sempre se traduzem em competência. Um círculo fechado, sempre com os invariáveis protagonistas do costume que, de eleição em eleição, se legitima pelo medo do “desconhecido”. Acusar o anterior Conselho Directivo, tendo como cabeça de cartaz o seu presidente, de ter desviado o Sporting do seu rumo é uma narrativa que só interessa a quem sente o status quo ameaçado e, com isso, perder influência. É precisamente por isso que os Sócios e adeptos são os únicos responsáveis pelo estado do Clube, sendo os seus atletas, o seu esforço, dedicação e devoção os únicos responsáveis pela glória que todos desejamos. Glória essa que, com esta direcção, até foi motivo de incómodo, como foi o caso do título mundial de Jorge Fonseca, no judo.

Uma palavra de solidariedade para com os 95% dos funcionários que foram sujeitos ao lay-off. Gostaria que houvesse alguma medida possível que os mantivesse activos, pois sei que independentemente dos campeonatos estarem todos parados, estes tempos servem também para se debruçar sobre assuntos que, com a apertada gestão diária, torna difícil a avaliação. Se temos o orgulho de nos considerarmos tão grandes como os maiores da Europa, poderíamos seguir o exemplo do Barcelona; do Bayern de Munique; do Borussia Dortmund; do Schalke; do Athletic Bilbao; do Valladolid; do Leeds United, com cortes em nome de manterem TODOS os funcionários em actividade, sem perda de rendimentos.

Termino com uma ressalva. Assumi o compromisso, comigo mesmo, que enquanto durasse o Estado de Emergência não iria tecer qualquer crítica aos dirigentes do Clube. Tentei, nestas últimas semanas, escrever sobre outros assuntos, realçando o que de bom ia acontecendo, muitas vezes nada relacionado com o Sporting. Até porque, objectivamente, estamos sem a presença física do Presidente do Conselho Directivo, a trabalhar 12 horas por dia na sua verdadeira função, de médico do Exército, assegurando a sua tarefa de líder leonino pelo telefone, como de resto teria de o fazer dadas as obrigações de confinamento.

Porém, todos temos um limite. Este episódio, que parece redefinir o conceito de dívida, fez-me pensar se não seria contra-producente deixar andar o barco, guardando tudo para um final que não tem data marcada. Além disso, equacionei o meu compromisso depois de ouvir Fiona Hill, especialista em relações externas e conselheira de Trump – como já havia sido de Obama. Apesar do cargo na Casa Branca, Fiona foi uma das testemunhas ouvidas pela Câmara dos Representantes no processo de destituição do ainda Presidente dos Estados Unidos. Foi desacreditada pela direita americana, apelidada de toupeira de George Soros, o que não a impediu de dizer o que achava.

Em declarações ao 60 Minutes, contou uma história preciosa, ocorrida precisamente no dia em que testemunhou no Congresso. Levava a filha à escola, que iria ter um teste nesse dia. Estava nervosa por isso e a mãe, tentando retirar-lhe pressão, comparou níveis de stress. “Vou testemunhar contra o presidente e perante milhões de pessoas, que vão estar a ver”. Ao que a filha respondeu: “O meu teste é muito pior. Tu só tens de lá chegar e dizer a verdade”. Não arrogo o pensamento de ser o detentor da verdade. Esta é só a minha visão dos acontecimentos. Até porque, em última análise, gostaria que a direcção do meu Clube tivesse o maior sucesso. No entanto, parece que se afastam cada vez mais de o alcançar. Creio que vale a pena pensar nisto.

O autor escreve sob a antiga ortografia

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