HÁ CONTAS E CONTAS
As da Liga são ótimas e colocam o Sporting em contagem decrescente para o título; as da SAD têm os indicadores no vermelho
Redação Leonino
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2 de Março 2021, 14:06

Um dia depois do Sporting ‘acertar contas’ na Liga com o FC Porto e ‘dizer’ ao então segundo classificado ‘apanha-me se puderes’, a SAD enviou à CMVM o Relatório e Contas relativo aos primeiros seis meses do exercício 2020/21. É caso para dizer que estamos perante contas e contas. As da Liga são ótimas e colocam o Sporting em contagem decrescente para o título, com 9 pontos de vantagem sobre o Sp. Braga e 10 sobre o FC Porto (o Benfica já nem interessa a que distância está). As da SAD, como seria de esperar, têm os indicadores no vermelho, desde logo porque o resultado operacional é negativo em quase 7 milhões ou porque o Capital Próprio está agora negativo em 17,4 milhões, quando no fecho das contas 19/20 apresentava ‘apenas’ -9,9 milhões.

As contas da Liga são mais fáceis de controlar porque dependem maioritariamente das capacidades da equipa em cada jogo, e só faltam 13 desafios. Já as da SAD estão ligadas a uma série de fatores aleatórios e incontroláveis, como sejam os ‘apetites’ do mercado no próximo verão, a posição (ranking) na qual o Sporting entrará na Liga dos Campeões (cada posição, de 1 a 32, vale 1,1 milhões) ou a possibilidade de ter ou não restrições ao número de espectadores no estádio, logo a partir de agosto. Portanto, é fácil perceber que melhorar os registos contabilísticos não depende apenas do querer.

Escrevi aqui no início da época que a SAD tinha, em relação às contas, dois caminhos: transferir um ou dois jogadores em janeiro para as manter no positivo; aceitar resultados negativos, não vender, e apostar tudo no lado desportivo. A decisão levou-nos para a segunda opção. Sinceramente, também seria a minha, porque, como já escrevi várias vezes, nesta atividade serão sempre os resultados desportivos a catapultar os financeiros, enquanto a aposta forte pelo lado financeiro, como os apologistas da venda da SAD a investidores externos preconizam, nada garante e pode resultar, sim, numa enorme dor de cabeça (veja-se o caso do Benfica 20/21 que, com o maior investimento de sempre, já assume, pela voz do seu presidente, como fundamental chegar ao 2º lugar, posição para a qual está com quatro pontos).

Posto isto, dizer que os resultados do primeiro semestre do exercício 20/21 estão em linha com aquilo que esperava, depois de a equipa ter sido eliminada na Liga Europa.

Ainda assim, e quem ler apenas os ‘highlights’ do ReC (destaques de abertura), sem de seguida, por preguiça ou iliteracia financeira, não avançar para a análise a cada uma das rúbricas, fica com a ideia de ter a SAD conseguido um semestre de grande performance a nível de contas. Só que nada disso sucedeu. E aqui faço o primeiro reparo ao que está escrito: discordo que os 6,9 milhões de resultado negativo se devam antes de mais à pandemia. É certo que a ausência de público no estádio pode representar de forma direta a perda de 7 milhões em bilhética mais 1,3 milhões na Loja Verde (compara com valores do 1º semestre 19/20, quando não existia a pandemia), só que também é verdade que em direitos de TV a SAD arrecadou neste semestre de 20/21 de forma extraordinária, devido à Covid-19, mais 4,235 milhões de euros, ao que se deve juntar a poupança em custos de organização de jogos na ordem dos 1,7 milhões. Logo, sem pandemia a SAD teoricamente arrecadaria mais 8,3 milhões, mas deixava ao mesmo tempo de receber 4,235 de TV e não pouparia 1,7 em custos de organização. O ‘preço’ da pandemia pode assim aceitar-se se assumido em torno dos 2,5 milhões, bem longe, portanto, de anular o prejuízo de 6,9 M registados neste exercício. O que justifica estes números é sem dúvida o fator Liga Europa, que há um ano, neste mesmo período, rendeu ao Sporting 8,591. Mesmo que fossem gastos, entre deslocações e estadias para esses jogos, cerca de 1,5 milhões (e não chegaria a tanto), a SAD ainda conseguiria obter resultados fora do vermelho.

Bem sei que este tipo de documento é sempre escrito, em qualquer empresa, de forma tendenciosa, tentando disfarçar/desculpar maus resultados e destacando virtudes que por vezes nem existem. É a parte da propaganda, aquela à qual sou mais alérgico, porque prefiro uma verdade, mesmo que doa, a uma mentira que no futuro tenha consequências mais graves.

Não havia necessidade, por exemplo, de ‘desculpar’ neste ReC a eliminação da fase de grupos da Liga Europa com o Covid-19. Porque as coisas não se relacionam dessa forma direta. Claro que o atual 1º lugar da equipa leva um bom número de Sócios a ignorar a realidade e aceitar o ‘quadro virtual’ descrito no documento. Mas haja memória: o primeiro jogo da época ocorreu no dia 24 de setembro, já depois de 9 dos nossos jogadores terem testado positivo à Covid-19. Nessa noite, a vitória frente ao Aberdeen foi obtida com o seguinte onze: Adán; Neto, Coates e Feddal; Porro, Matheus Nunes, Wendel e Nuno Mendes; Tiago Tomás, Jovane e Vietto. Três dias depois, o mesmo onze venceu em Paços de Ferreira, por 2-0. E quatro dias depois, já com Nuno Santos no lugar de Jovane, perdeu 1-4 com o Lask. E três dias depois, já com Pedro Gonçalves no lugar de Wendel (entretanto transferido para o Zenit), venceu 2-0 em Portimão. As alterações ocorridas daí em diante prenderam-se com a chegada de João Mário por empréstimo (5 de outubro) e com a inclusão de Palhinha, por troca com Matheus Nunes. Frente ao Lask foi uma noite má, desinspirada, tal como ocorreu meses depois no Funchal, em jogo da Taça de Portugal frente ao Marítimo. Não vale a pena procurar desculpas onde elas não existem. Uma noite má custou uns bons milhões; outra noite má custou a possibilidade de discutir a Taça de Portugal. Simples, sem desculpas.

Outro dado em que não posso concordar com os ‘highlights’ deste ReC é aquele onde, com recurso a gráfico, tenta demonstrar que o Capital Negativo de 17,4 M nem é mau porque no final de 18/19 esta rúbrica cifrava-se nos 23,6 M. Em rigor, isso é verdade, mas omite que os capitais próprios negativos há um ano (final de 19/20) eram de apenas 9,9M. Logo, a situação não melhorou, deteriorou-se em 7,5 milhões.

Muitas vezes, as análises financeiras não passam de análises políticas. São feitas de acordo com os interesses do momento. Creio que todos se lembrarão do drama público feito por Artur Torres Pereira, na primeira intervenção como presidente da Comissão de Gestão, ao anunciar que a SAD estava em “falência técnica, com capitais próprios negativos em 9 milhões” (‘por acaso’ eram 13,3M). Naquele momento interessava, sobretudo, ‘derreter’ a gestão da administração anterior, nem que para isso se utilizassem argumentos ridículos, como este atrás referido. Então agora, com capitais próprios negativos nos 17,4M não há qualquer drama? Claro que não. Como não havia em 2018. Porquê? Porque falamos de uma SAD com facilidade de a qualquer momento transferir um ativo capaz de anular esse ‘capital próprio negativo’.

Como todos ainda devem lembrar-se que para Luís Marques, também ele da Comissão de Gestão, em 2018 “a situação era calamitosa”, porque o Sporting devia 40 milhões a fornecedores, sobretudo agentes e clubes (até foi manchete do Correio da Manhã). E por outro lado existia um déficit na ordem dos 20 milhões entre receitas e despesas correntes. Ora, hoje, só a dívida corrente (para pagar no prazo de um ano) a fornecedores ultrapassa os 60 milhões (mais 50% do que em 2018). Ora hoje, o déficit entre receitas e despesas correntes está nos 13,5 milhões (em seis meses). Sobre isso, Luís Marques… nada. Sublinha, isso sim, que a entrada na Liga dos Campeões dará a “estabilidade necessária”. Não, Luís Marques, a entrada na Champions dá para, provavelmente, anular o prejuízo corrente do exercício 20/21. Mas se nada for feito em 21/22 o problema voltará a surgir. E repito: há aqui algum drama? Nenhum. Porque o mundo do futebol é demasiado interdependente. Todos precisam de todos e por isso negociar o adiamento do pagamento de determinada dívida é apenas ‘mais um dia no escritório’. Existem autênticas contas correntes entre clubes e entre clubes e agentes, umas vezes a dívida é maior, noutras é menor. Mas é assim que se faz nesta atividade.

Outro exemplo das análises políticas surgirem ao sabor dos interesses: atualmente, o Benfica é o alvo preferido de jornais e TV’s (tão agradável…), tudo servindo para tentar amplificar a crise (tal como sucedeu com o Sporting em 2018). Na segunda-feira, o Correio da Manhã (para não variar) escrevia que o Benfica não estava a respeitar uma das indicações da UEFA relativamente ao fair-play financeiro, porque os custos com pessoal ultrapassavam os 70% das receitas correntes, percentagem tida como limite, e cifravam-se nos 92%. Sabem qual o rácio do Sporting neste mesmo parâmetro, segundo o ReC dos primeiros seis meses desta época? É de 90%. Tanto numa SAD como noutra, é natural que isto esteja a acontecer. Porque uma contava com as verbas da Champions e a outra contava com o dinheiro da Liga Europa. Ao falharem nesses objetivos, e já com os contratos assinados com jogadores e treinadores, seria natural tal derrapagem. A qual pode ser, de um ano para o outro, facilmente corrigida.

Em conclusão: a saúde económica e financeira do Sporting está, neste momento e de forma factual, pior do que no final do exercício 2017/18 (mais 9 milhões de passivo; capitais próprios negativos em mais 4 milhões). Mas é um cenário reversível a médio prazo, logo não existem aqui razões para levar qualquer sportinguista a perder o sono. Portanto, se agora é assim, em 2018 também assim o era. Por isso, todos os que fizeram ‘política’ com a manipulação do significado dos números e que hoje, já de forma responsável, nada criticam, deviam corar de vergonha pelo papel a que se prestaram há três anos. E aqui inclui-se também Francisco Zenha, atual administrador da SAD que, por exemplo, muito se queixou da herança recebida e por este Relatório e Contas fica a saber-se que, no mínimo, deixará de herança à futura administração (que até pode ser a mesma) 180 milhões de euros em dívidas: passivo não corrente (a pagar depois de dezembro de 2021) nos 142M; transferência de Paulinho com 12 milhões a pagar em datas posteriores a 2021; empréstimo obrigacionista de novembro será pago com recurso a outro, no mínimo de igual valor (26M).

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