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A TRISTE REALIDADE BRECHTIANA
A união acabou por ser uma estruturada divisão que paulatinamente foi fatiando a família, colocando uns contra os outros, alimentando um discurso divisionista entre quem está connosco e contra nós.
Imagem de destaque09 Mai 2020, 09:00

No início era o verbo. Unir, apresentava-se como o único projecto que poderia reenquadrar a família Sportinguista, até porque a transição foi de certa forma dolorosa, lambendo as feridas de uma Taça de Portugal perdida para o Desportivo das Aves, uma Assembleia Geral de destituição complicada e um início de funções de uma Comissão de Gestão extremamente atribulada. Unir era, realmente, o caminho da salvação.

No entanto, ficámos a saber esta semana, depois da mini-entrevista do presidente do Sporting Clube de Portugal à SIC – ocupou os últimos cinco minutos do Jornal da Noite – que, afinal, “união é apenas uma palavra que fica sempre bem e é bonita”. Não se vislumbrou a mais singela sensibilidade do responsável máximo leonino quanta à verdadeira dimensão da palavra que, curiosamente, havia escolhido como mote da sua campanha para ganhar as eleições. Um autêntico engodo que tem sido branqueado por alguma imprensa, assunto já maturado e abordado neste espaço e ao qual não vale a pena regressar.

Foi precisamente depois das eleições que se instalou a triste realidade brechtiana em Alvalade. A união, afinal, acabou por ser uma estruturada divisão que paulatinamente foi fatiando a família, colocando uns contra os outros, alimentando um discurso divisionista entre quem está connosco e quem está contra nós. Parece não haver meio-termo.

Usando o discurso na primeira pessoa, tal como o original de Bertold Brecht, mas sem qualquer ligação ao meu ponto de vista – sou, antes de tudo, Sportinguista – podia resumir-se a história do último ano e meio da seguinte forma:

– Primeiro, foram atrás dos ‘brunistas’. Como tinha votado a favor da destituição, até achei bem;

– Depois, foram atrás das claques. Como nunca pertenci a nenhum desses grupos e até os considero uns foras-da-lei, não me importei;

– Não contentes com as claques, foram atrás de toda a Curva Sul. Como nunca me pediram para descalçar antes de entrar no estádio, nada disse;

– Referiram ainda que éramos um clube de malucos. Não estava a falar de mim porque sempre me considerei saudável. Nem liguei;

– Depois vetaram o direito de um grupo de adeptos a pedir uma Assembleia Geral para discutir uma nova eventual destituição. Achei que precisávamos de paz e, por isso, não me manifestei;

– Ignoraram olimpicamente duas manifestações, que pediam novas eleições. Considerei que este mandato seria para levar até ao fim, por isso concordei com o silêncio. Que se cale a oposição!

Se se revê em todas estas posições, então fique ciente que abriu o precedente para, no futuro, silenciarem-no a si e ignorarem olimpicamente as suas reivindicações. Quando quiser fazer ouvir a sua voz, algum ‘brunista’, algum membro de uma claque, algum ‘descalço’ ou algum maluco poderá perguntar-lhe onde estava quando foram eles os perseguidos.

Isto não só não contribuiu em nada para a união do clube como acicatou as diferenças quando o importante seria elevar o que nos une. O engodo da união agiganta-se quando, ainda em campanha, o actual presidente proferiu as seguintes declarações, imagine-se, à CMTV: “Se for presidente do Sporting Clube de Portugal, Bruno de Carvalho não será expulso de sócio. Não quero. Para mim, a expulsão de sócio é como se fosse uma pena de morte. Ninguém tem direito a dizer que uma pessoa já não pode ser sócia do Sporting. Tenho a certeza que há outras figuras jurídicas, penalizações, mas expulsão do Sporting? Quem é alguém para expulsar de sócio do Sporting? Sou contra todas as expulsões que foram feitas e já há muita gente a pedir a expulsão de Bruno de Carvalho mas serei contra”, está escrito no Observador (LER AQUI).

E se contavam que esta crónica fosse sobre o recente episódio do processo de Alcochete, com o afastamento de Bruno de Carvalho, Bruno Jacinto e Nuno Mendes da autoria dos crimes cometidos no ataque à Academia, vinham ao engano. Considerei, desde o primeiro dia, que o triste acontecimento foi um caso de polícia e não estando na posse de todos os elementos nem possuindo conhecimentos jurídicos que me permitam fazer uma análise mais alargada sobre o sucedido, aguardaria pelo desfecho para um eventual pronunciamento.

Registo, no entanto, com elevada apreensão e receio que depois de todo o aparato que levou ao envolvimento das três figuras atrás referidas, designadamente a detenção a um domingo do ex-presidente do Sporting, acusado de autor moral do ataque, sobre o qual recaia igualmente uma acusação de terrorismo, a montanha processual tenha parido um micróbio com tendência a desaparecer. O Expresso revela mesmo: “Só um terramoto o condenará”, acrescentando que também Bruno Jacinto e Nuno Mendes estão cada vez mais próximos da absolvição.

A apreensão e receio têm a ver com facto de pensar que se isto aconteceu com estes três indivíduos, poderá também acontecer com qualquer um de nós. E isso deixa-me mesmo muito assustado. Porque se não o disser agora, se um dia acontecer comigo, quem se levantará por mim? Abençoado Brecht.

*O autor escreve sob o antigo acordo ortográfico

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