Miguel Sousa Tavares acredita que a aposta do governo da Arábia Saudita no futebol é de curta duração. Num artigo de opinião no jornal ‘Record’, o conhecido adepto do Porto levanta dúvidas sobre as motivações dos responsáveis sauditas pelo mundo do desporto rei.
“Do alto do seu estatuto de nababo do futebol mundial a que os seus dotes o elevaram, da distância e da superioridade de quem nunca teve de desperdiçar o seu talento e assegurar a sua subsistência nos estádios do campeonato português, Cristiano Ronaldo decretou, sem remissão, o seu veredicto: o nosso campeonato é um circo de terceira categoria, que, comparado, por exemplo, com o campeonato saudita, não só é pobre como também pouco recomendável como espetáculo”, refere o escritor.
“Fiquei a meditar no assunto, eu, que apesar do massacre das transmissões do campeonato dos Al-Ricos (decerto patrocinadas pelo mesmo fundo soberano do Reino que detém os quatro principais clubes do campeonato e, através deles, jogadores como CR7), não consegui ainda render-me à suposta riqueza futebolística daquele espetáculo”, continua o adepto do Porto.
“Será porque me soa a falso o entusiasmo dos adeptos nas bancadas? A ausência de mulheres entre eles? O excesso de polícias a vigiá-los cá em baixo como nunca vi em lado algum? A indiferença com que desconfio que todas aquelas vedetas estrangeiras contratadas com sacos de ouro e diamantes encaram as vitórias e as derrotas ou que, no final da época, seja o Al-Dólar, o Al-Euro, o Al-Yen ou o Al-Libra a ganhar o campeonato, desde que, findo o jogo, cheguem às suas deslumbrantes casas e tenham lá o seu exército de serviçais filipinos ou paquistaneses prontos a servi-los 24 horas por dia”, atira Miguel Sousa Tavares.
“Não, eu, ao contrário de CR7, prefiro outro tipo de futebol e outro tipo de campeonato - mesmo o nosso. Prefiro mil vezes um campeonato vivido com paixão nos relvados e nas bancadas, onde os adeptos percebem de futebol apesar de muitas vezes só verem o que a sua paixão clubística os deixa ver, e onde os jogadores não correm só por dinheiro e mordomias, exibindo um nome numa camisola, mas lutam por uma carreira, por um treinador, por um título e, alguns ainda, mesmo que raros, por amor a uma camisola. Um futebol genuíno e não um futebol inventado a dinheiro; um futebol de emoções e não um futebol asséptico”, argumenta o escritor.
“E o tempo ensinará a Cristiano Ronaldo uma coisa que ele, por melhor futebolista que seja, não enxerga: o projeto saudita não tem futuro. Porque não assenta em bases sólidas nem naturais, pretende apenas queimar etapas à força de petrodólares, mas não é um projeto para servir o futebol ou o desporto e sim a política. Para lavar e branquear a imagem política do Reino Saudita. Quando, daqui a uns biliões, o plano não tiver dado os frutos pretendidos, o futebol será posto de parte e outra distração surgirá no seu lugar”, finaliza Miguel Sousa Tavares.
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