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0“De salientar a herança pesada com que se deparou este Conselho de Administração, que teve de fazer face a um fluxo de pagamentos recorde na ordem dos 225 milhões de euros”. Esta frase é de Frederico Varandas e escreveu-a na mensagem dirigida aos acionistas da Sporting SAD, quando da apresentação do Relatório e Contas da época 2018/19. Em rigor, a mesma não é correta porque as despesas relativas a dois meses desse exercício foram pagas, sim, pela Comissão de Gestão. Despesas relacionadas com salários, realização de novos contratos, renovações, e as demais que se prendem com o dia a dia da atividade de uma empresa. Mas dou de barato estes milhões. Vamos apenas centrar-nos na ideia ‘herança’ de 225 milhões para pagar.
A maior fatia deste total prende-se com o pagamento de salários, mais todos os custos inerentes à atividade do futebol profissional (a maior parte das pessoas não tem sequer noção da quantidade de bens e serviços que é necessário adquirir). Neste capítulo temos a liquidação de 109,1 milhões de euros. Acontece que, por um lado, a herança de contratos assinados tem dois sentidos: os que são para pagar e os que são para receber; por outro, não foi a administração anterior que fez uma gestão entre receitas e custos ordinários (sem recurso a transferências de jogadores) na ordem dos quase 30 milhões negativos. Assim, na realidade, a verdadeira herança aqui cifra-se em cerca de 20 milhões, ou seja, o desvio que sucedeu em 2017/18 entre gastos e rendimentos. Fixem este número para mais à frente o perceberem nas contas finais.
A segunda maior fatia no fluxo de pagamentos de um total de 225 milhões prende-se com o investimento feito nas equipas de futebol profissional, ou seja, verbas ligadas à aquisição de passes de jogadores, quer dos que entraram quer dos acordos que se venciam nessa época por transferências anteriores. Neste ponto temos a liquidação de 54,4 milhões de euros. Entre outros, havia que pagar, em 2018/19, parte das transferências de Raphinha, Acuña, Bruno Gaspar, Viviano, Misic, Ristovski, Seydou Doumbia, Bruno Fernandes, Matheus Oliveira, Piccini, Bas Dost, Battaglia, Rúben Ribeiro ou Diaby, mas também Ilori, Doumbia, Borja, Plata e Luiz Phellype. Uma vez mais percebemos o ‘rigor’ de Varandas ao falar em herança quando nestes custos estão envolvidos cinco jogadores adquiridos pelo Conselho de Administração que ele lidera… E, uma vez mais, não herdou apenas a conta para pagar, havia igualmente outra a receber, produto das transferências, já negociadas quando ele entrou, de Piccini, William Carvalho e Demiral, num total de 27,5 milhões, mais 8 milhões que o Sporting iria receber de transferências feitas em temporadas anteriores. Portanto, Varandas tinha 54,4 milhões a liquidar e 35,5 milhões a receber. Dir-se-à: então a herança foi de 18,9 milhões. Na verdade, menos, já que a esses 18,9 milhões há a descontar as verbas pagas no mesmo exercício por Luiz Phellype, Ilori, Plata, Doumbia e Borja, as quais totalizaram 3,672 milhões. Assim, e este é mais um número para guardar, a herança neste capítulo foi de 15,228 milhões. Mas tal herança, como se sabe, veio a proporcionar à SAD muitos milhões de ganho, em 19/20, mas isso são outras contas.
Vamos finalmente ao capítulo daquilo que em rigor se pode apelidar de herança: 30 milhões de um Empréstimo Obrigacionista a vencer em Novembro de 2018; 13,485 milhões de uma operação de titularização de crédito a vencer em junho de 2019; 7,763 milhões de um empréstimo bancário a vencer em junho de 2019 e 618 mil euros de um leasing a vencer em junho de 2019. A verdadeira herança que a administração liderada por Bruno de Carvalho deixou quando viu o mandato interrompido de forma abrupta foi, portanto, de 51,866 milhões. Bastava que qualquer candidato às eleições de 2018 tivesse analisado os Relatórios e Contas relativos ao exercício 16/17 e os três trimestrais de 17/18 (porque à data das eleições não havia ainda o ReC de todo o exercício 17/18) para ficar com uma ideia precisa do estado em que estavam as contas. Aliás, veja-se que numa primeira fase Salgado Zenha opta pela honestidade ao referir a inexistência de qualquer buraco ou surpresa nas contas. Mas depois, sem se perceber bem porquê, começou a liderar o movimento discursivo da ‘herança’, talvez inspirado por João Pedro Varandas, o irmão de Frederico, que não se cansou de vender a mesma ideia quando esteve no Sporting nos mandatos de Soares Franco e Godinho Lopes. Enfim, nada de novo.
Concluindo esta questão, e numa leitura muito simplista, temos que em limite Frederico Varandas poderia referir-se a uma herança de 87,094 milhões de euros (51,866+15,228+20) e não 225,2 milhões, relativamente às contas do exercício 18/19. Já no exercício 19/20 pode falar numa herança de 16,135 milhões, por conta da titularização de créditos feita pela anterior administração, a qual venceu em maio deste ano.
Então agora apliquemos esta mesma lógica à herança que Frederico Varandas deixaria se ao dia de hoje fosse sujeito a interromper o mandato, tal como sucedeu com Bruno de Carvalho. O seu sucessor ‘só’ tinha de liquidar um Empréstimo Obrigacionista de 25,922 milhões em novembro de 2021; 58 milhões de uma operação de titularização de créditos que vence em junho de 2022; 19,770 milhões de um empréstimo bancário que vence em junho de 2022; além das atuais dívidas de 61,944 milhões a fornecedores! Bom, são 165 milhões para liquidar em dois anos, contra os 103 milhões herdados para saldar nos mesmos dois anos. Significa isto que Varandas vai mantendo o barco a flutuar à custa da titularização dos créditos da NOS e das transferências dos melhores jogadores ‘herdados’ da gestão de Bruno de Carvalho. Mas entre o plantel que recebeu e o atual existe uma enorme diferença de qualidade e de valor de mercado, pelo que os quase 200 milhões faturados nos últimos dois anos são praticamente irrepetíveis nos próximos dois.
Partindo do princípio que Varandas levará o mandato até final, o que se pode desejar é que pelo menos trate de liquidar até março de 2022 os quase 62 milhões de dívida a fornecedores e que equilibre os custos operacionais com os rendimentos, por forma a que se pare de recorrer a receitas extraordinárias para tapar buracos. Porque o Empréstimo Obrigacionista será reembolsado através de nova emissão de dívida que a próxima administração herdará, juntamente com pelo menos outros 78 milhões de titularização de créditos e empréstimos. Logo, a administração que vier a seguir terá sempre como garantida uma dívida para saldar no valor de 108 milhões, entre 2022 e 2024. É por isto que falar em heranças não é o melhor caminho…